Ao retornar das férias, com vestes brancas e seguindo as orientações de sua religião, Silvana afirma ter notado diferenças no tratamento
Por Redação Jornal de Brasília 27/11/2021
Desde que foi iniciada no Candomblé, Silvana Silva da Paixão, 41, afirma ter sido excluída, hostilizada e sofrido racismo e intolerância religiosa na Secretaria Municipal de Gestão (Semge), da Prefeitura de Salvador, onde trabalha como mensageira terceirizada há 12 anos. Ela denunciou o caso à polícia nesta quinta-feira, 25, na 1ª Delegacia de Barris. “Meu chefe dizia no refeitório: ‘cessa a conversa que a macumbeira chegou‘”, conta, em entrevista ao Estadão.
Ao retornar das férias, no último dia 8 de setembro, com vestes brancas e seguindo as orientações de sua religião, Silvana afirma ter notado diferenças no tratamento dos colegas com ela – em especial de seu chefe direto. “Ele falou: ‘desaprendeu a comer de garfo e faca? Está comendo agora desse jeito parecendo um bicho?‘. Nesse momento foi como se o mundo desabasse para mim, não esperava que todo mundo me olharia diferente”, relembra. A prefeitura afirma que ‘repudia atos de discriminação de qualquer natureza’ e vai ‘combater esse tipo de situação’.
A primeira pessoa a perceber que Silvana tinha mudado de comportamento, tornando-se mais quieta e chorosa, foi a mãe de santo Ialorixá Rosângela Ferreira, que chegou a tentar contato com a Semge para informar a situação. Juntas, acionaram a Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro Ameríndia – AFA, que enviou ofício à Prefeitura de Salvador para que medidas fossem tomadas.
O presidente da AFA Leonel Monteiro ressalta que o caso choca ainda mais por ocorrer em uma cidade como Salvador, que é referência das religiões de matriz africana. “Precisamos de uma resposta à altura do caso, não só nota de repúdia ou só fala, a gente precisa de ação. Não é possível que assediam as pessoas por conta da religião no ambiente de trabalho”, afirma.
Um inquérito foi aberto e o Ministério Público Estadual, acionado para participar da investigação. Por meio de nota, a Polícia Civil afirma que a delegacia está investigando o caso. A Prefeitura de Salvador, em nota, afirma que a pasta “repudia atos de discriminação de qualquer natureza e vai agir no sentido de combater esse tipo de situação, garantindo o respeito no ambiente de trabalho e na prestação de serviços à população”.
A funcionária afirma que chegou a cogitar abandonar o terreiro que frequenta devido a intolerância religiosa que vinha sofrendo. “Eles (colegas) me olham diferente, não me chamam mais para as atividades que eu sempre participava”, conta. “Quando falo disso meu corpo treme, eu choro, eu não durmo, estou fazendo terapia. Estou sofrendo muito”.
“Não podemos nos calar. Tomei a decisão (de denunciar) porque já estava com vontade de me suicidar. Eu fiquei presa, não contava à minha mãe, fiquei sofrendo com aquilo todos os dias, com aquelas piadinhas”, desabafa. Silvana diz estar evitando ir ao refeitório nos últimos dias por estar com o psicológico muito abalado e para evitar as piadas e os olhares. “Até hoje ninguém veio falar comigo”, conta.
A mãe de santo Roângela acompanhou Silvana até a delegacia para prestar queixa. “A gente, de Candomblé, é bastante atacada e isso tem que acabar. Isso é racismo e é crime. A gente não pode se calar, por isso eu quis correr atrás para (o caso) não ficar impune”, defende.
Monteiro relembra que o caso ocorreu no momento em que o presidente da cidade, Bruno Soares Reis, sancionou o Estatuto da Igualdade Racial e Combate à Intolerância Religiosa em Salvador, no último dia 19 de novembro.