Desde 2019, o Dia Mundial da Doença de Chagas é celebrado no dia 14 de abril. Para pesquisadores, ONGs (organizações não governamentais) e outras iniciativas, a criação da data é vista como uma conquista. É uma forma de trazer mais visibilidade para uma doença que 28 milhões de pessoas no mundo correm risco de contrair, segundo a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde).
E isso pode parecer “besteira”, mas, na verdade, é uma forma de conseguir mais investimento, principalmente quando a doença em questão é considerada negligenciada. Isso significa que ela recebe pouca atenção de pesquisadores e das indústrias farmacêuticas. São condições que atingem regiões mais pobres, com populações mais carentes, sem acesso a saneamento básico e água potável, em sua maioria
“O dia 14 de abril foi reconhecido pela OMS (Organização Mundial de Saúde) e é uma luta de vários movimentos que a gente tem. Isso gerou uma certa visibilidade, até pela questão da globalização da doença. Agora, nós começamos a ver, inclusive, investimentos internacionais”, diz Andréa Silvestre, pesquisadora do INI (Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas), da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz)
Inclusive, é a cardiologista que cuida do projeto Cuida Chagas, uma iniciativa internacional que tem como objetivo contribuir para a eliminação da transmissão congênita (crianças infectadas no nascimento), além de ampliar o acesso ao diagnóstico, tratamento e atenção integral em Bolívia, Brasil, Colômbia e Paraguai.
“Estamos acostumados a ver esse tipo de trabalho e investimento em outras doenças, mas isso praticamente não existia para uma doença negligenciada como Chagas”, afirma a pesquisadora.
Ele descobriu Chagas e precisou de marca-passo
No Brasil, a doença é mais comum nas regiões Norte ou Nordeste, sobretudo em áreas rurais, com casas de pau a pique e/ou palha, sem revestimento adequado. Essa é, inclusive, a realidade de muitas pessoas, assim como foi a do aposentado Fernando Guedes de Moura, 67.
Ele morou até os 19 anos no nordeste da Paraíba em uma casa com esse tipo de material. Nunca teve nenhum problema de saúde ou qualquer manifestação da doença de Chagas.
Em 2017, quando já morava em Suzano, cidade na Grande São Paulo, participou da campanha Novembro Azul, voltada para a saúde dos homens. Fez exames de sangue que chamaram atenção dos médicos. Depois, realizou um específico para a doença, que logo confirmou o diagnóstico.
Assim que descobriu a doença de Chagas, Fernando, na época com 62 anos, começou a ter desmaios e a sentir arritmia, falta de ritmo nos batimentos cardíacos. “Um dia, fui fazer endoscopia, mas fui impedido porque meu coração estava com muita arritmia”, lembra o aposentado.
Com isso, o médico resolveu realizar outros exames no coração, que mostraram um órgão já contaminado e afetado pelo protozoário causador da doença, o Trypanosoma cruzi.
O problema é que Fernando se sentia cada vez pior, com desmaios frequentes, pressão alta e fadiga. “Meu coração estava fraco, não conseguia fazer nada. Não dava nem para subir uma rua, por exemplo.”
Foi quando os médicos resolveram internar o aposentado. Primeiro, colocaram um marca-passo enquanto ele estava na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) para ver se conseguiam amenizar os impactos no coração.
“Fiquei 22 dias no hospital, 4 utilizando o aparelho, mas voltei para a casa e não melhorei. Por isso, passei por uma cirurgia para colocar o marca-passo interno. De lá para cá, nunca tive mais nada”, conta.
Segundo o cardiologista Edmo Atique Gabriel, colunista de VivaBem e professor na Unilago (União das Faculdades dos Grandes Lagos), em São Paulo, o aparelho é indicado para pacientes com Chagas quando o coração começa a falhar —exatamente o que ocorreu com Fernando.
“Uma das falhas é a frequência cardíaca, que começa a cair e a pessoa passa a ter desmaios e tontura, além de sentir fraqueza. Essa é uma lesão causada pela inflamação provocada pela doença de Chagas. Não é possível reverter o problema se não com o aparelho que recupera, artificialmente, a frequência cardíaca natural do paciente”, diz o médico, também especialista em cirurgia cardiovascular.
Maioria não sabe que tem doença de Chagas
Nas Américas, estima-se que de 6 a 8 milhões de pessoas já estão infectadas, sendo 3 milhões com a doença em sua etapa crônica. Além disso, todo ano, 56 mil novos casos são notificados, principalmente em crianças.
No Brasil, segundo boletim epidemiológico de 2021, foram confirmados 146 casos de Chagas em 2020 —apenas os casos agudos, portanto, diagnosticados precocemente—, sendo que todos os óbitos (3) ocorreram no estado do Pará. O Norte apresentou a maior taxa de incidência da doença.
No entanto, segundo o Ministério da Saúde com dados do ano passado, pelo menos 1 milhão de pessoas estariam infectadas pela doença de forma crônica —a maioria pode nem saber da condição.
Localizar pacientes infectados é desafio
Fernando não sabe onde e quando foi contaminado, embora tenha vivido em um local considerado de risco para a condição. Esse é o grande desafio da doença de Chagas: identificar quem são as pessoas infectadas e, com isso, tratá-las.
“A primeira coisa que precisamos fazer é conhecer quem são as pessoas acometidas pela doença para confirmar diagnóstico e pensar nos tratamentos. Principalmente porque ela é uma condição reconhecidamente como crônica”, explica a pesquisadora de Fiocruz.
Isso significa que pessoas em fase aguda da doença, com sintomas como febre, mal-estar, falta de apetite, edemas (inchaço) localizados na pálpebra ou em outras partes do corpo, não vão relacionar, em um primeiro momento, com a doença. Com frequência, a maioria não apresenta nenhum dos sintomas nesta fase.
O mais comum é que os pacientes apresentem manifestações depois de 30, 40 anos, e, consequentemente, com maior comprometimento de órgãos como coração, esôfago e intestino.
Um outro problema é que, diferente de outras condições consideradas negligenciadas, como tuberculose, HIV e hanseníase, a doença de Chagas apenas de forma aguda —portanto, muito mais difícil de ser diagnosticada— é de notificação compulsória, ou seja, os órgãos de saúde são informados do caso e, futuramente, essa informação é incluída em boletins epidemiológicos.
É desta forma que é possível identificar populações de maior risco, além de pensar em campanhas de conscientização em locais mais impactados pelo problema.
“Recentemente, nós conseguimos desenvolver a implementação de notificação aos estados da doença de Chagas crônica, mas, na prática, ainda não está efetivamente ocorrendo”, afirma Silvestre.
Sintomas da doença passam despercebidos
Segundo os especialistas consultados por VivaBem, é comum que uma pessoa infectada pelo Trypanosoma cruzi morra por outras causas —câncer, acidente, entre outros— antes de saber que tinha Chagas.
“Ela pode ter febre, por exemplo, e após essa fase, ela entra no estágio assintomático e fica assim por décadas. Cerca de 60% das pessoas ficam assim a vida toda, o que chamamos de sorologia positiva”, explica a pesquisadora da Fiocruz. “Só que 30%, 40% terão as complicações da doença, geralmente cardiopatias ou impactos no aparelho digestivo.”
O protozoário atinge o corpo todo, mas alguns órgãos tendem a ser mais impactos, pois ficam dilatados e deixam de funcionar adequadamente. “Por isso, temos o megaesôfago, o megacólon (parte do intestino) e megacardio, que é o coração dilatado”, explica o cardiologista.
Alguns sintomas para essas condições envolvem perda de peso, refluxo constante, constipações graves e progressivas, abdome distendido, arritmia cardíaca, desmaios e cansaço frequente.
Como dito, dependendo do órgão acometido, é possível tratar apenas os sintomas. O medicamento, hoje disponível pelo SUS só é indicado para fases iniciais do problema, como nas crianças por exemplo.
Transmissão e prevenção
A doença de Chagas é transmitida pelas fezes do barbeiro que entra em contato com o organismo humano pela pele, boca, nariz ou feridas e cortes no corpo. Há ainda uma outra forma, segundo Tânia Chaves, infectologista e consultora da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) e docente da Faculdade de Medicina da UFPA (Universidade Federal do Pará).
“O vetor, ao picar o indivíduo, defeca. Depois, a pessoa coça no local da picada, que é o momento em que as formas infectantes do Tripanossoma cruzi alcançam a corrente sanguínea”, explica.
Existe a contaminação via alimentos contaminados pelo inseto e pela transfusão de sangue, caso o doador seja portador da doença. Há ainda a transmissão da mãe com Chagas para o filho via placenta.
Já a prevenção da doença baseia-se em medidas públicas de controle do barbeiro, além do oferecimento de moradias mais adequadas por meio de reboco e tamponamento de rachaduras e frestas, além de telas em portas e janelas. Informar parentes e conhecidos sobre a doença e medidas preventivas também são questões importantes.