Leandro Iamincolaboração para a CNN
O estádio, lotado de camisas verdes, grita, em êxtase, “é campeão”. Foi assim que os jogadores da Chapecoense, clube do oeste catarinense, deixaram o gramado do Allianz Parque em 2016, em São Paulo, enquanto o Palmeiras festejava o campeonato brasileiro vencido após 21 anos.
Foi a última grande aparição pública daquele elenco. Eles almejavam ver a mesma cena, duas semanas depois, desta vez como protagonistas. Viver o sonho de se consagrar na decisão da Copa Sul-Americana.
O estádio lotado seria o (alviverde) Couto Pereira, em Curitiba, não a Arena Condá, casa do clube, vetada por não atender a capacidade mínima das finais da Conmebol.
Antes, seria preciso conhecer Medellín e enfrentar o Atlético Nacional, então campeão da Libertadores, em mais um estádio cheio de camisas verdes. O voo, identificado como LaMia 2933, que levava 77 pessoas até a Colômbia, não teve fim. O avião caiu, matando 71 pessoas. O Brasil acordou com a tragédia, que completa cinco anos no próximo domingo (28).
O estádio no interior catarinense lotou, sim, de camisas verdes, mas para assistir, debaixo de uma inclemente tempestade, um cortejo fúnebre de tristeza insuportável.
Quase meia década depois, no dia 20 de novembro, 2.830 pessoas assistiram, sem entusiasmo, ao jogo entre a Chapecoense e o Grêmio pela 34ª rodada do Campeonato Brasileiro de 2021, no qual a Chapecoense já está – pela segunda vez em três anos — rebaixada. A Chape perdeu por 3 a 1.
Um outro tipo de melancolia, de natureza esportiva, encontrou a nostalgia dolorosa da efeméride trágica. Em cinco anos, o fluxo de caixa precisou lidar com o rebaixamento do time em 2019, a pandemia — que vitimou Paulo Magro, então presidente da Chape, em dezembro de 2020 –, o futebol brasileiro maltratado por debates fragmentados de direitos de TV e sintomas claros de erros na gestão do clube pós-tragédia.
Quando olha para 2022, o clube brasileiro mais abraçado do mundo sabe que estará sob nova direção — há eleição para presidente no próximo 14 de dezembro, e Gilson Sbeghen, atual mandatário, não participará –, mas não tem outras certezas sobre sua saúde esportiva e econômica.
Entradas e saídas
Em 2017, ano do início de uma dolorosa reconstrução, a Chape recebeu, em função da tragédia, mais de R$ 28 milhões em incrementos de receitas vindas da CBF, de sócios-torcedores, doações, amistosos e outros fundos.
Ajudou na solução imediata de uma vida que seguia. O clube contou também com o esforço do empresariado da região, dos patrocínios regulares e do empréstimo solidário de atletas por parte de outros clubes.
“Cada ano que você fica na Série A, a tendência é o seu endividamento crescer, porque é muito caro permanecer na Série A.” A afirmação é de Ilan Bortoluzzi Nazário, vice-presidente jurídico da Chapecoense.
Por variadas razões, a maioria dos clubes de primeira divisão no Brasil termina o ano com uma dívida global maior do que aquela encontrada no começo do período. Mas isso não significa que sair da elite, tendo receita ainda menor, é a solução.
“Ao cair para a B em 2019, nosso faturamento diminuiu em mais de 50%. Desde então a gente vende o almoço para comer a janta. Os problemas de fluxo de caixa são graves”, complementa Ilan, que deixará o clube após a eleição que marcará o fim da gestão de Gilson Sbeghen.Foto do time da Chapecoense que enfrentou e venceu o San Lorenzo na semifinal da Copa Sulamericana, no dia 2 de novembro de 2016, em Buenos Aires, Argentina.
Neto, ex-zagueiro e atual superintendente de futebol da Chape, além de um dos sobreviventes da tragédia aérea, repete a palavra quando questionado sobre a gestão recente do clube.
“Uma tragédia, financeiramente falando. Estamos arcando com as consequências de uma gestão péssima, que impediu o clube de ser mais competitivo. Montamos um time na A com valores menores do que o time que foi montado para a B.”
Nos cinco anos entre o acidente e hoje, a Chape gastou cerca de R$ 36 milhões com despesas derivadas da tragédia. O ano mais custoso foi o de 2019, no qual R$ 21,2 milhões saíram do clube com esta finalidade, sobretudo para o pagamento de famílias.
Em 2020, com a Série B para disputar, a gestão do futebol perdeu o controle e triplicou as despesas trabalhistas em relação ao ano anterior, com contratações e rescisões que engordaram a folha em uma hora inoportuna e ajudaram o clube a entrar em 2021 asfixiado pelas contingências.
Ilan resume. “Há dois anos buscamos tampar as sangrias dos últimos anos e não endividar ainda mais o clube para a próxima gestão. Em 2021, seguramos investimentos, atrasamos algumas contratações, e o resultado foi esse. O futebol não correspondeu e nós descemos [novamente para a Série B]”. A economia pretendida saiu cara.
Famílias e CPI
Segundo a previsão do clube, são mais de R$ 22 milhões ainda a ser pagos para as famílias vítimas do acidente, pelo menos até 2028. O clube afirma destinar para essas famílias aproximadamente R$ 500 mil mensais, enquanto ainda tenta buscar acordo com nove delas.
É uma relação de difícil manejo. Neto, que já conhecia boa parte das famílias quando era um dos jogadores, atua nessa mediação.
“Eu tento defender a verdade, não o clube ou as famílias”, afirma Neto. “Para as famílias, o justo é receber a indenização. Defender o clube de qualquer modo não é correto. Muitas vezes consigo mostrar para familiares uma realidade que quem está fora do clube não vê”, acrescenta o ex-zagueiro, que assumiu a função diretiva em 2020.No dia 21 de janeiro de 2017, mulheres de jogadores que morreram na tragédia da Chapecoense são homenageadas antes de um amistoso entre a Chape e o Palmeiras e abraçam Alan Ruschel, um dos sobreviventes.
Em 2020, inclusive, um ponto chamou a atenção: diante da queda de receitas da Chapecoense, as famílias das vítimas aceitaram um acordo, firmado judicialmente, no qual os valores das parcelas mensais no período seriam diminuídas e pagas mais pra frente. Sinal inequívoco de boa-vontade e confiança entre as partes de um processo desgastante para todos.
Ao mesmo tempo, a Chapecoense também entende precisar ser indenizada pelas perdas no desastre. O clube mantém duas ações tramitando com essa intenção, uma em solo brasileiro e outra na Colômbia. “Nós também fomos lesados”, aponta Ilan.
Enquanto a morosidade judicial requenta a esperança, a CPI da Chape, paralisada em março, está de novo na pauta do Senado, com o compromisso de encontrar caminhos que auxiliem as famílias nas atribuições formais de responsabilidade no acidente. O relator é Izalci Lucas (PSDB-DF), que conta com uma equipe de parlamentares que reúne inclusive ex-atletas como Romário e Leila.
Para a Associação dos Familiares das Vítimas do Voo da Chapecoense (AFAV-C), principal organização coletiva entre as famílias das vítimas, ver a CPI andar será a prioridade das próximas semanas.
“É um momento muito importante, pois o relatório final da CPI nos auxiliará em nossas ações”, afirma Fabienne, em nome da associação, que tem 33 famílias debaixo de sua organização. “Nossa expectativa é que seja produzido um relatório robusto e fiel ao que foi levantado através das oitivas e provas documentais que entregamos ao senado”, complementa.
Ecos da Colômbia
Livia Laranjeira, repórter designada pela Globo para cobrir a semifinal da Copa Sul-americana, na qual a Chape eliminou o San Lorenzo, permaneceu em Chapecó após o jogo. Seu papel era o de informar, direto de lá, como o time viajaria para São Paulo para tentar adiar o título nacional palmeirense.
Também por essa questão logística, voaria direto de lá para Medellín. Ir no voo do clube chegou a ser uma opção. “Eu e minha equipe ficamos frustrados de saber que a imprensa toda estaria no voo com os jogadores e a gente não”, lembra Lívia.
“Tínhamos dúvidas se ficaríamos um pouco atrás em relação aos colegas. Viajando com o time, você já vai apurando algumas histórias, e pensei nisso quando viajei antes de todos para Medellín. Aí depois acontece tudo aquilo e demora pra cair a ficha.”
Livia permaneceu em Medellín após o desastre, e cobriu a partida dos corpos da Colômbia, não a chegada deles ao Brasil. Assim, seu relacionamento com a tragédia se deu muito a partir do carinho, cuidado e solidariedade do povo colombiano.Quatro dos seis sobreviventes da tragédia da Chapecoense são homeageados em amistoso no Rio. Jackson Follmann (na cadeira de rodas), Alan Ruschel (atrás de Follman), Neto (à esquerda) e o jornalista Rafael Henzel (à direita), desfilaram antes da partida entre Brasil e Colômbia, em memória às vítimas do acidente, no dia 25 de janeiro de 2017 / Buda Mendes/Getty Images
“Taxistas não aceitavam pagamentos quando viam que éramos brasileiros indo para a funerária. No dia do cortejo fúnebre, colombianos nas ruas aplaudiam os carros e nos abraçavam. Os colombianos nos pegaram pela mão”, recorda Lívia.
Lívia, como muitos jornalistas, voltou a Chapecó em 2017, para cobrir, entre outras coisas, a Recopa Sul-americana. “Era outra cidade. As pessoas tinham outro semblante”, define a repórter, para quem a cobertura do desastre foi transformadora para a vida e a carreira.
Neto, sobrevivente, é outro que lembra bem do semblante das pessoas de Chapecó. “Saímos daqui festejados, as pessoas sorriam pra gente como se fôssemos amigos delas. E na volta a cidade mudou assim.”
O futuro
Em 2016, os jogadores da Chapecoense deixaram o gramado do Allianz Parque ouvindo, na saída, alguns torcedores do Palmeiras declarando torcida para eles nas finais continentais dos dias seguintes. Ninguém poderia saber, naquele domingo, que cada brasileiro passaria a querer o bem daquele time de futebol com alguma dedicação extra.
Cinco anos depois, o desafio é encher a Arena Condá de camisas verdes, mas também de esperança e austeridade. “Para 2022, queremos uma Chape modesta, com um perfil aguerrido e que compre nossa ideia, dentro das características do clube. Um time que vende caro a derrota”, define Neto, entre o realismo e o ressentimento.
A Chapecoense foi finalista de uma Copa Sul-americana em uma fase na qual sua administração não lidava com dívidas crescentes. Quando o avião da LaMia caiu no Cerro El Gordo, o clube não tinha absolutamente nenhuma dívida.
Hoje, o alviverde catarinense deve cerca de R$ 120 milhões. No mês passado, a Chape votou e aprovou, quase por unanimidade, a aproximação institucional com o modelo de clube-empresa. Uma pista do que poderão ser os próximos anos desta história.