Por Pr. Rilson Mota
Na jurisprudência complexa e muitas vezes tortuosa do direito público brasileiro, uma decisão recente do Tribunal de Contas do Paraná (TCE-PR) trouxe à tona um debate crucial sobre a remuneração dos advogados que representam as universidades estaduais do estado. Em uma Tomada de Contas Extraordinária, o Pleno do TCE-PR decidiu, com um voto majoritário, manter suspensos os pagamentos de honorários sucumbenciais aos advogados destas instituições até que uma lei estadual regulamentadora seja editada.
A medida, que visa assegurar a transparência e a legalidade no uso dos recursos públicos, não se aplica aos advogados do quadro próprio do Estado cedidos às universidades. Este detalhe é fundamental para entender a complexidade da situação, pois revela uma distinção clara entre os profissionais do direito empregados permanentemente pelo Estado e aqueles que, mesmo trabalhando nas universidades, não possuem essa mesma vinculação formal.
A suspensão dos repasses, originada de uma medida cautelar emitida em dezembro de 2020, exigia das universidades a abertura de contas bancárias específicas para o recebimento destes honorários, proibindo o pagamento direto até que a legislação adequada fosse criada. Este ato foi um ponto de partida para uma análise mais profunda sobre como esses recursos são manejados, levantando questões sobre a gestão e a destinação de verbas públicas.
Os honorários de sucumbência, que são devidos pela parte perdedora em um processo judicial aos advogados da parte vencedora, transformaram-se, neste contexto, em um campo de batalha legal e administrativo. No caso das universidades estaduais paranaenses, tais valores deveriam ser recebidos e distribuídos segundo critérios claros, algo que, até o momento, não estava sendo feito de maneira adequada.
O TCE-PR, com o apoio do Ministério Público de Contas (MPC-PR) e da Sétima Inspetoria de Controle Externo (7ª ICE), constatou que não havia uma lei específica para regular o pagamento de honorários a técnicos universitários ou docentes. Este vazio legal coloca em xeque a validade dos pagamentos feitos até então, configurando uma irregularidade administrativa e financeira.
A questão dos honorários advocatícios nas esferas públicas não é nova, e já foi abordada por várias instâncias do Judiciário, como o Supremo Tribunal Federal (STF), o próprio TCE-PR, o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR). Todos esses órgãos têm interpretado o parágrafo 19 do artigo 85 do Código de Processo Civil (CPC), que regula o destino dos honorários no contexto da administração pública.
A investigação do TCE-PR revelou que, antes da intervenção, esses valores não eram contabilizados de forma adequada pelas universidades. Em algumas situações, os advogados simplesmente sacavam o dinheiro ao final de cada processo judicial ganho pelas instituições, sem passar por uma contabilidade transparente ou um controle fiscal adequado.
O TCE-PR propôs, como medida de transparência e controle, que esses valores fossem depositados em contas específicas das universidades e distribuídos via folha de pagamento, respeitando o teto remuneratório estabelecido pela Constituição Federal no inciso XI do artigo 37. No Paraná, este teto é definido como 90,25% do salário dos desembargadores do TJ-PR.
Além disso, a 7ª ICE detectou pagamentos irregulares a advogados temporários, agentes universitários, professores e servidores comissionados, o que desafia a lógica de que a representação judicial dos entes públicos deve ser exercida por servidores efetivos, aprovados em concurso público.
O conselheiro Ivan Bonilha, relator do processo, ao julgar o mérito da questão, optou por não responsabilizar diretamente os reitores das universidades pelos equívocos. Ele argumentou que a correção das falhas apontadas depende de uma legislação a ser proposta pelo Poder Executivo e aprovada pela Assembleia Legislativa, algo que está fora do alcance direto dos gestores das universidades.
A decisão levou em consideração que a medida cautelar de 2020 foi plenamente cumprida pelas universidades, mostrando que a intenção de regularizar a situação estava presente, mas a ausência de uma lei específica impede uma solução definitiva.
A decisão do TCE-PR também determinou que diversos órgãos estaduais, incluindo o governo do Estado, o TJ-PR, o MP-PR, a Seti-PR, a PGE-PR e a CGE-PR, tenham acesso aos autos do processo para que possam tomar as providências necessárias, indicando uma necessidade de ação coordenada entre os poderes públicos.
No entanto, nem todos os conselheiros concordaram com a abordagem de Bonilha. O conselheiro Maurício Requião apresentou um voto divergente, sugerindo a abertura de uma nova Tomada de Contas Extraordinária para investigar possíveis danos ao patrimônio público decorrentes do recebimento indevido de honorários sucumbenciais por servidores das universidades, especialmente aqueles que ultrapassaram o teto constitucional.
Este ponto de vista de Requião ressalta a preocupação com a potencial perda financeira para o Estado, destacando a necessidade de um controle mais rigoroso sobre como os recursos públicos são distribuídos, especialmente quando envolvem remunerações que poderiam ser consideradas irregulares.
Apesar da divergência, o voto de Bonilha prevaleceu na Sessão de Plenário Virtual nº 24/2024, concluída em 14 de dezembro de 2024, consolidando a decisão no Acórdão nº 4483/24 – Tribunal Pleno, que foi publicado no dia 21 de janeiro na edição nº 3.368 do Diário Eletrônico do TCE-PR.
Esta decisão não apenas reflete sobre o caso específico dos honorários em questão, mas também levanta uma discussão mais ampla sobre o papel do controle externo na gestão dos recursos públicos no Paraná. Ela coloca em evidência a necessidade de uma legislação clara e específica para regular práticas que, embora comuns no setor privado, precisam de uma abordagem diferente quando envolvem dinheiro público.
A questão dos honorários sucumbenciais nas universidades estaduais é um exemplo claro de como a ausência de regulamentação pode levar a práticas administrativas questionáveis. Isso reforça a importância das instituições de controle, como o TCE-PR, para garantir que a gestão pública seja feita de forma transparente e dentro dos parâmetros legais.
A suspensão dos pagamentos, portanto, não deve ser vista apenas como uma penalidade, mas como uma oportunidade para reformular e adequar as práticas de remuneração dentro do serviço público, assegurando que todos os servidores, incluindo os advogados, estejam operando dentro de um quadro legal justo e transparente.
O debate sobre a regulamentação dos honorários sucumbenciais também toca em questões de justiça social dentro do setor público. É importante que os advogados, que desempenham um papel crucial na defesa dos interesses das instituições de ensino, sejam valorizados, mas essa valorização deve ocorrer de uma forma que não comprometa a equidade e a legalidade no uso dos recursos públicos.
A decisão do TCE-PR, além de ser um marco no controle de gastos públicos no Paraná, serve como um alerta para outras instituições e estados brasileiros sobre a necessidade de revisar e, quando necessário, criar legislações específicas para práticas que, apesar de parecerem técnicas, têm implicações éticas e financeiras significativas.
A expectativa agora recai sobre o Poder Executivo e a Assembleia Legislativa do Paraná, que devem trabalhar juntos para criar a legislação necessária, trazendo clareza e segurança jurídica para todos os envolvidos no processo de representação judicial das universidades estaduais.
A situação põe em relevo a necessidade de uma administração pública que não apenas respeite o dinheiro do contribuinte, mas que também valorize seus servidores, garantindo que sejam remunerados de maneira justa e dentro dos limites legais.
A decisão do TCE-PR pode ser interpretada como um passo em direção a uma gestão mais responsável e transparente, mas também como um lembrete de que o caminho para a melhoria contínua da administração pública passa pela criação de normas claras e pela fiscalização rigorosa.
A comunidade acadêmica, os servidores públicos e a sociedade paranaense aguardam agora por uma resolução que não só corrija as falhas identificadas mas que também estabeleça um precedente de boa prática para a gestão de recursos em todo o setor público.
Em resumo, a decisão do TCE-PR sobre os honorários sucumbenciais das universidades estaduais é mais do que uma questão de contabilidade; é um reflexo de um sistema que busca constantemente o equilíbrio entre a eficiência administrativa, a justiça no trato dos servidores e a responsabilidade com o patrimônio público. É um convite para uma reflexão e ação que vai além da contabilidade, tocando nos princípios fundamentais da administração pública no Brasil.
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