O modelo de subsídio cruzado utilizado pela Sanepar, em que municípios menores têm o serviço de tratamento de água e esgoto custeado em parte pelas maiores cidades do estado, foi alvo de críticas em um encontro online promovido pelo Instituto de Engenharia do Paraná. Na discussão, especialistas criticaram a postura da companhia em tratar Curitiba como “área exportadora de tarifas” ao mesmo tempo em que a capital ainda carece de grandes investimentos na área de saneamento.
O modelo de subsídio cruzado existe desde a década de 1970,
e foi criado como uma forma de viabilizar a operação das companhias estaduais
de água e saneamento desde as capitais até as pequenas cidades do interior. Os
municípios superavitários acabam por repassar recursos para aqueles em que as
companhias têm déficit operacional, o que no cenário atual pode gerar algumas
distorções.
O engenheiro civil e sócio da empresa Ambienge Engenharia
Sanitaria e Ambiental, Fernando Salino Cortes, explicou que a tarifa única
cobrada pela Sanepar é um dos efeitos do subsídio cruzado. Dessa forma, em vez
de baixar a tarifa cobrada dos curitibanos, já que a capital sustenta a operação
da companhia em outros municípios, a Sanepar estaria penalizando consumidores
de baixa renda.
“Essa tarifa única faz com que um município que poderia pagar menos ou investir mais tenha que transferir parte de sua arrecadação para aqueles que são deficitários. Em Curitiba, pela população que tem, alguns bairros são maiores que muitas cidades do interior. Alguns desses bairros têm IDH de renda inferior ao de municípios que têm sua operação subsidiada por Curitiba. Um morador de baixa renda do Cajuru sabe que está financiando a conta de água de um diretor de empresa que mora em uma cidade do interior com IDH maior do que o dele? O subsídio cruzado, sob esse ponto de vista, é injusto”, argumentou o engenheiro.
Cortes também apresentou dados de balanços da Sanepar, os quais, segundo ele, mostram que Curitiba responde por aproximadamente um terço da arrecadação total da companhia.
Ele questionou o fato de a Sanepar insistir em renovar os contratos com municípios que dão prejuízo à companhia. “Se um desses ‘clientes’ que dão prejuízo quiser sair do sistema
a Sanepar deixa? Porque se a Sanepar faz esforço para renovar o contrato de um
município que lhe dá prejuízo, quando o município quiser sair ela vai estar
fazendo isso com dinheiro de Curitiba e das outras cidades que dão lucro. Aí já
se perde completamente o fundamento do subsídio cruzado. Se o município dá
prejuízo e quer sair, a Sanepar dá um prazo para o prefeito achar outra solução
ou o município pede ‘pelo amor de Deus’ para a Sanepar continuar?”, questionou
o engenheiro, que citou novamente os balanços da companhia para dizer que a
Sanepar distribuiu entre seus acionistas o mesmo valor que foi aportado em
investimentos.
Em resposta, o diretor financeiro e de Relações com Investidores da Sanepar, Abel Demetrio, explicou que nos últimos cinco anos a empresa registrou R$ 4,2 bilhões de lucro líquido contra R$ 4,65 bilhões em investimentos. “A companhia investe, e investe maciçamente. Quando a gente paga dividendos aos acionistas nós estamos tirando um pouquinho do capital próprio, melhorando a relação entre o capital próprio e o capital de terceiros, e permitindo que no final do dia as tarifas para os usuários sejam mais benéficas, sejam mais baratas”, explicou.
Críticas se estendem ao sistema de rodízio da Sanepar
Aumentando o tom das críticas, o engenheiro cobrou da
Sanepar a falta do que chamou de uma “campanha de educação ambiental compatível
com o nível da pandemia de Covid-19”. Segundo Fernando Cortes, durante a crise
hídrica em São Paulo em 2012 havia “um massacre” de informações orientando ao
consumo consciente da água feito por parte da prefeitura da capital paulista.
Ele inclusive chegou a apontar o rodízio de fornecimento de água, medida a ser mantida
pela Sanepar até pelo menos o mês de outubro, como responsável por parte das
mortes durante a pandemia.
“Você imagina uma enfermeira que volta de um covidário e
chega em casa e não tem água. É claro que esse é um caso fortuito, não vai
acontecer na casa de todo mundo e nem todo dia. Mas acontece. Apesar de a Sanepar
estar fazendo um programa importante de acesso a caixas d’água para quem tem
apenas a ligação direta à rede, é muito grande a falta de atendimento nesse
ponto. Eu vou falar a verdade, o risco de contaminação e de ter havido alguma
morte em função desse rodízio é muito grande. A gente tem que ser realista
enquanto a isso. Eu trabalho com saúde pública, e a coisa mais básica no
controle da pandemia é a higiene, o distanciamento e a máscara. Quantas
aglomerações corresponde uma falta de água? O risco de ter havido alguma morte
por causa desse rodízio é extremamente elevado”, afirmou.
Abel Demetrio respondeu à crítica lembrando que o
fornecimento de água e de esgoto foi considerado como uma atividade essencial
durante a pandemia. No que chamou de “defesa de todos os trabalhadores da
Sanepar” o diretor afirmou que nunca houve quaisquer dúvidas quanto à
necessidade de estes servidores estarem à frente dos trabalhos. Ele citou a
entrega de 10 mil caixas d’água a famílias carentes, o que deve ocorrer nos
próximos 60 dias, e apontou outras atividades realizadas pela Sanepar de forma
voluntária, como a limpeza e desinfecção de hospitais e asilos durante a
pandemia.
“A Sanepar tomou várias atitudes de cunho social. Há um esforço muito grande da companhia para que nesse momento de pandemia aliado a uma crise hídrica. A gente sabe do trabalho árduo feito diariamente pelos nossos colaboradores. Há um esforço da companhia para dar condições para que esses colaboradores façam um trabalho adequado. Realmente é uma situação muito grave a que a gente está passando, e precisamos registrar todo o esforço que foi feito”, disse.