O município de Reserva, localizado na região dos Campos Gerais, foi palco de um dos mais chocantes crimes registrados no Paraná no ano passado, que terminou com três pessoas mortas, outra ferida e duas crianças órfãs. Foi no dia 6 de dezembro, quando o autor do crime, deixou o município de Ponta Grossa para ir atrás da ex-esposa.
Vítima de violência doméstica, a mulher de 28 anos havia se mudado para a casa dos pais e tinha uma medida protetiva contra o ex-parceiro. Ainda assim, ele invadiu a residência onde ela estava, matou o pai dela, disparou contra o irmão e executou a tiros a própria, que se recusava a voltar para um relacionamento marcado por abusos. Mais tarde, ele ainda deu cabo à própria vida com um tiro na cabeça, ao se ver na iminência de ser preso.
Este é só um das centenas de casos no Estado. Só nos últimos três anos (2019 a 2021), segundo informações do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), 3.998 mulheres foram vítima de feminicídio no Brasil, com mais de 25 casos por semana ou ainda uma mulher morta a cada oito horas. Só no Paraná foram registradas 227 ocorrências no período analisado, com a média de um assassinato a cada cinco dias.
A partir da taxa de fecundidade do país, estima-se que o feminicídio, entre 2019 e 2021, deixou cerca de 7.000 órfãos no Brasil, com 2.300 crianças tendo entrado para a estatística apenas em 2021. No caso paranaense, são mais de 400 órfãos nos três anos analisados, aproximadamente 130 apenas no ano passado.
Não raro, essas crianças ainda presenciam o traumático episódio que as deixa sem a mãe, assim como ocorreu com M.S. Somente em 2022 foram dois episódios noticiados pela imprensa paranaense em menos de quatro meses: um registrado em janeiro, em Colombo, na qual o marido matou a facadas a esposa, que foi encontrada pela polícia sobre a cama onde ela dormia com os filhos, de três e quatro anos (eles presenciaram o ato, tanto que o crime só foi descoberto após a mãe do suspeito ouvir o choro das crianças e então se deparar com a nora morta); e outro no qual o marido matou a esposa a tiros em Guaratuba em fevereiro, na frente do filho de cinco anos, após uma discussão que ocorreu horas antes da festa de aniversário da outra filha do casal, de apenas dois anos (eles ainda tinham um bebê de sete meses de idade).
Nesses caos em que a criança fica sem a mãe (e com o pai geralmente preso), os órfãos são encaminhados para a chamada família extensa, sendo cuidados por avós e tios, por exemplo, que assumem o compromisso de criar o sobrevivente e mantê-lo afastado do agressor. Se não houver esse compromisso, é procurada uma família substituta (por meio de adoção ou apadrinhamento afetivo) e, em último caso, é feito o acolhimento institucional.
Data
No Brasil, o termo feminicídio passou a ser utilizado com a aprovação da Lei nº 13.104/2015, que o incluiu como qualificadora do crime de homicídio, colocando-o no rol dos crimes hediondos e atribuindo-lhe penalidades mais severas, que podem chegar a 30 anos de reclusão.
O dia 22 de julho foi instituído no Paraná como o Dia Estadual de Combate ao Feminicídio, em memória ao feminicídio que vitimou Tatiana Spitzner, em Guarapuava, no ano de 2018, em decorrência da violência doméstica.
É importante denunciar ao menor sinal de violência, para que a agressão não se torne um feminicídio. O Disque 180 é o principal canal nacional para prestar queixas. Também é possível ligar para o 190, em casos de flagrantes, e para o 181, que recebe denúncias anônimas no âmbito estadual. Para mulheres com medidas protetivas acione a Patrulha Maria da Penha, através do 153. As vítimas podem ainda fazer o registro do boletim de ocorrência on-line.
Curitiba pode ganhar rede de amparo específico para crianças nesta situação
Em fevereiro foi protocolado na Câmara Municipal de Curitiba (CMC) um projeto de lei que pretende instituir na capital paranaense a Rede de Acolhida e Proteção às Crianças Órfãs do Feminicídio e Vítimas de Violência Doméstica. O autor, vereador Hernani (PSB), prevê prioridade a essas crianças e adolescentes no atendimento psicossocial ofertado pelos Centros de Referência Especializados em Assistência Social (Cras) e demais serviços do Município.
Nas situações em que a mãe sofrer violência e possuir medida protetiva de urgência, seriam asseguradas a matrícula prioritária e a transferência de unidade escolar da rede municipal.
“Todo ano, duas mil crianças ficam desamparadas, com as mães assassinadas e os pais presos, sem uma rede de proteção à família para se reestruturarem”, afirma o parlamentar, lembrando que o Brasil ocupa o quinto lugar no ranking mundial do feminicídio, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. “Nesse sentido, a estratégia de combate à pandemia deve incluir medidas de prevenção à violência contra a mulher e ao feminicídio, bem como de amparo às vítimas diretas e indiretas.”
Atualmente, a iniciativa está sendo analisada na Comissão de Constituição e Justiça da CMC. Se aprovada pelos vereadores e sancionada pelo prefeito, a lei entrará em vigor a partir da publicação no Diário Oficial do Município (DOM). Caberá ao Poder Executivo regulamentar os aspectos necessários para a efetiva aplicação da norma.
Lei
O que é o feminicídio
Previsto no Código Penal brasileiro desde 2015 como uma circunstância qualificadora do crime de homicídio, o feminicídio é tipificado como o assassinato de uma mulher por razões da condição de sexo feminino, razões estas que envolvem violência doméstica e familiar ou menosprezo/ discriminação à condição de mulher. O relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher, por sua vez, define o feminicídio como a “instância última de controle da mulher pelo homem: o controle da vida e da morte”, se expressando como “afirmação irrestrita de posse, igualando a mulher a um objeto, quando cometido por parceiro ou ex-parceiro”.
Número de mortes volta a crescer no Paraná em 2021
Após registrar uma importante queda em 2020 na comparação com 2019, quando o número de registrou caiu de 89 para 73 (redução de 18,5%), o quantitativo de feminicídios no Paraná voltou a crescer em 2021. Segundo o FBSP, 75 mulheres foram mortas no ano passado em casos de violência doméstica e familiar ou menosprezo/discriminação à condição de mulher. O número, no entanto, ainda pode crescer, já que algumas investigações ainda estão em andamento, especialmente de casos que aconteceram entre novembro e dezembro.
Com esse aumento de 2,1% nos registros, o estado também voltou a ter uma taxa de feminicídio (por 100 mil mulheres) superior à média nacional. No país, 1.319 mulheres foram vitimadas por esse tipo de situação no ano passado, com taxa de 1,22 feminicídios para cada 100 mil mulheres. No Paraná, essa taxa é de 1,3 (e chegou a ser de 1,5 em 2019).
Fonte: Bem Paraná