O teto salarial no funcionalismo público é de R$ 39.293,32, ou seja, nenhum funcionário de todas as esferas do governo (federal, estadual, distrital e municipal), de qualquer um dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), pode ganhar acima desse valor.
Na prática, porém, uma série de bonificações e valores extras podem fazer com que os pagamentos aos chamados funcionários de elite cheguem a R$ 100 mil — caso de juízes e promotores –, enquanto a média dos salários no país gira em torno de R$ 2 mil.
Segundo levantamento realizado em maio do ano passado pelo Centro de Liderança Pública (CLP), cerca de 25 mil servidores, ou 0,23% dos 11 milhões que trabalham para todas as esferas públicas, têm salários acima do teto.
Cada um desses servidores, aponta o estudo da CLP, recebe em média R$ 8.500 acima do teto por ano com esses “penduricalhos”, como são chamados os benefícios recebidos.
Entre eles estão auxílio-moradia, subsídio para transporte particular ou auxílio-creche, por exemplo.
“Os funcionários públicos têm um teto a rigor de R$ 39 mil. Entretanto, temos penduricalhos que fazem com que esse salário sejam superdimensionados”, afirma Armando Rovai, professor do Mackenzie.
Essa diferença de valores vem sendo alvo de debates nos últimos anos, num cenário em que o espaço no Orçamento para despesas não obrigatórias do governo federal — das quais fazem parte investimentos em infraestrutura ou com programas sociais, por exemplo –, está cada vez menor.
Além disso, o Brasil já acumula oito anos seguidos de déficit primário, o que significa que as receitas da União são menores que as despesas desde 2013.
Daniel Duque, pesquisador do FGV-IBre, explica que as remunerações passam do teto porque os políticos “acabam por receber benefícios com ‘cara’ de compensatórios, mas, na verdade, são remunerativos”. O CLP apontou que a remuneração média dos servidores acima do teto é de R$ 47.7555.
“O primeiro ponto da desigualdade no setor público é que não são todas as pessoas que trabalham no funcionalismo que recebem o salário da elite”, afirma Duque.
“Outro ponto é que a quantidade que exagera no seu ganho acaba mantendo um valor extremamente alto, de bilhões de reais, impactando o orçamento público”, declara Rovai. “Enquanto a massa dos funcionários ganha um salário mínimo”.
Mais um fator que gera desigualdade, para o professor da FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo) Paulo Feldmann, é que “os funcionários que ganham entre R$ 4,6 mil e acima do teto pagam a mesma alíquota do imposto de renda, [de 27,5%]”.
Por outro lado, Daniel Conde de Barros, especialista em direito administrativo com foco em servidores públicos da Martorelli Advogados, vê de outra forma os supersalários. Barros destaca que “o termo funcionalismo público é demonizado, ou seja, a imagem que temos é que alguns profissionais desse setor ganham muito, mas trabalham pouco”.
“Eu acredito que o salário em si [da elite do funcionalismo] não gera desigualdade, pois esses profissionais possuem responsabilidades”, afirma Conde. “Assim, acaba que cada um recebe a quantidade que condiz com o seu cargo, incluindo também os benefícios”.
Mas Rovai defende seu argumento e diz: “eu não acho que esses funcionários têm que ganhar mal, mas precisam ser remunerados de acordo com a média. A desculpa é que são valores indenizatórios e complementos, mas esses benefícios não são equivalentes aos da iniciativa privada”.
“Não é uma crítica a uma determinada personalidade ou até a um cargo. O problema está no próprio funcionalismo”, explica o professor do Mackenzie.
Congresso discute supersalários
Em tramitação no Congresso, um projeto pretende revisar quais benefícios e extras devem passar a ser contabilizados no teto do funcionalismo.
Segundo o deputado Rubens Bueno (Cidadania – PR), relator da proposta na comissão especial, a economia gerada por mudanças propostas no texto chegaria a R$ 10 bilhões, segundo alguns cálculos de parlamentares.
Segundo ele o custo dos supersalários nas contas públicas está entre R$ 2,6 bilhões a R$ 3 bilhões por ano.
A matéria teve seu texto substitutivo aprovado pela Câmara em julho, mas segue paralisada.
Um estudo encomendado pelo Movimento Pessoas à Frente e realizado pelo Datafolha apontou, em outubro, que nove em cada dez pessoas, ou 93% da população, defendem que o salário dos servidores não ultrapasse o teto. Para a realização da pesquisa foram ouvidas 2.072 pessoas entre 9 e 20 de julho.
Por Artur Nicocelli/CNN Brasil