Expectativas mais positivas com crescimento da economia e revisões do lucro para cima das empresas motivam maior exposição, mas otimismo segue “cauteloso”
SÃO PAULO – Ainda longe de controlar a pandemia e tendo superado na última semana a triste marca de 500 mil mortos por coronavírus, o Brasil ainda tem muitos desafios a serem superados para enfrentar a doença e retomar a atividade econômica normalmente.
Porém, com uma maior expectativa de aceleração da vacinação – que ainda anda a passos lentos e bem atrás dos países desenvolvidos, com apenas 11% da população vacinada com duas doses – e sinais de resiliência da economia e das empresas da Bolsa, diversos bancos estrangeiros têm elevado a sua exposição ao Brasil em suas carteiras estratégicas para a América Latina. Porém, não sem destacar os riscos que estão no radar.
Em linha com esse movimento, no acumulado de junho até o fechamento do último dia 22, os estrangeiros já entraram com R$ 14,22 bilhões em recursos na B3, caminhando para fechar o mês como o terceiro de entrada de capital externo. No acumulado do ano, a cifra é de R$ 49,417 bilhões.
Nas últimas duas semanas, UBS, JPMorgan e Bank of America elevaram a exposição para o Brasil em suas carteiras para a América Latina para acima da média frente outras economias da região (ou o chamado “overweight”, exposição acima da média do mercado).
David Beker, Carlos Peyrelongue e Paula Andrea Soto, do BofA, que fazem parte da equipe de estratégia e de análise do banco americano, destacaram a revisão em suas projeções para o PIB brasileiro, de alta de 3,4% para 5,2% em 2021, apontando que ainda há viés positivo. A exposição anterior era marketweight (em linha com a média do mercado).
Em seguida, o JPMorgan também elevou a sua exposição para overweight dentro do portfólio para a América Latina, após ter reduzido a exposição para neutra em março deste ano.
De acordo a equipe estratégica do JP, liderada por Emy Shayo, embora o Federal Reserve tenha sido um pouco mais agressivo do que o esperado ao sinalizar alta de juros em 2023 (o que poderia prejudicar os emergentes), o crescimento provavelmente continuará a dar o tom nos próximos meses. “Essa dicotomia global favorece ações, mercados emergentes, [ativos categorizados como de] valor, commodities e ciclicidade”, afirma.
Além disso, o potencial de mais revisões de alta para a economia brasileira ainda é possível, avaliam os estrategistas, uma vez que dados de varejo e serviços vieram melhores do que o esperado em abril, apesar das restrições de mobilidade. “O maior crescimento ajuda a impulsionar os lucros mas, mais importante, deve levar a revisões de lucros para cima”. E esse cenário conta ainda com a melhora no ritmo de vacinação contra a covid-19 no Brasil, destacou a equipe de estratégia.
O banco suíço UBS também elevou o Brasil para overweight com revisões positivas para o PIB, melhora fiscal, perspectivas mais positivas para a vacinação, a visão mais favorável para alta de lucros entre os emergentes e valuation atrativo. A projeção do PIB dos economistas do banco para 2021 passou de alta de 4,5% para 5,8%.
Mas, além de estarem mais otimistas com o cenário nacional em si, a perspectiva de aumento de risco em outros países da região por conta dos ruídos políticos também tem favorecido o aumento da exposição em Brasil dentro do portfólio da América Latina, ao lado do México. Enquanto isso, Chile, Colômbia e Peru veem suas participações nas carteiras estratégicas perderem espaço.
O BofA cortou a exposição do Chile a “underweight” (ante “overweight”) após os resultados das eleições constitucionais e locais naquele país. México teve a recomendação mantida em “overweight”, assim como Colômbia continuou com marketweight (exposição em linha com a média do mercado).
Já os estrategistas do JPMorgan zeraram a sua exposição ao Peru, enquanto a participação do argentino Mercado Livre (MELI34) foi reduzida. Além do Brasil, o JP também tem exposição overweight em México, enquanto tem exposição “em linha” ao Chile, e “abaixo” em Colômbia e Peru.
O UBS, por sua vez, reduziu Chile de exposição “neutra” para “abaixo da média”, devido ao aumento das incertezas políticas
antes das eleições presidenciais de novembro de 2021, renovadas restrições de mobilidade, expectativa de que alta do lucro possa ter atingido o pico e um valuation menos atrativo.
Os estrategistas do banco permaneceram neutros para o Peru: “embora as incertezas eleitorais e políticas tenham subido substancialmente depois que Pedro Castillo, de esquerda, angariou o maior número de votos na eleição presidencial [contra a direitista Keiko Fujimori], a recente liquidação do mercado sugere que muitos desses riscos estão precificados”, apontam. O banco seguiu underweight em Colômbia dada a crescente agitação social.
Assim como as outras duas instituições financeiras, o UBS manteve exposição overweight em relação ao México, “um grande beneficiário da recuperação econômica dos Estados Unidos, com nossa equipe de economia atualizando a projeção de crescimento do PIB em 2021 de 5,6% para 6,3%”. A dinâmica de lucros diminuiu um pouco, mas o UBS avalia como temporário.
Otimismo cauteloso, mas melhorou
Ainda que muitas das revisões de portfólio também tenham sido motivados por uma piora relativa em outros países, a elevação da exposição do Brasil também passa pela melhora do cenário doméstico.
Fernando Ferreira, estrategista-chefe e head do Research da XP, e Caio Megale, economista-chefe da XP, destacaram em relatório as visões dos estrangeiros sobre o país após uma rodada de reuniões com investidores “gringos”.
Após um começo de ano muito pessimista, o sentimento melhorou. Porém, destaca o relatório, assinado por Ferreira, não há euforia: o sentimento ainda é “cautelosamente otimista”.
Ferreira lembra que o Brasil chegou a ter a pior Bolsa e a pior moeda do mundo em performance em meados de fevereiro, também vendo cerca de R$ 12 bilhões de fluxo de estrangeiros deixando o país no período com a segunda onda da pandemia dando sinais claros de aceleração, o Brasil flertando com o estouro do teto de gastos sem sinais de aprovação do orçamento de 2021 (nem da PEC emergencial) e o governo passara a intervir nas estatais (Banco do Brasil, saída do CEO da Eletrobrás, e finalmente na Petrobras). Além disso, o cenário para o consumidor brasileiro parecia muito ruim, com uma combinação de inflação alta, crescimento baixo e fim dos auxílios emergenciais. Enquanto isso, reformas ou privatizações pareciam um sonho distante.
De lá pra cá, muita coisa mudou, e para melhor, afirma o estrategista da XP.
“Os números fiscais do governo têm melhorado consistentemente, a economia deu sinais de clara recuperação, levando a uma grande revisão pelo mercado, que já espera um crescimento acima de 5% para o ano – e com viés de alta. O Congresso voltou a avançar na discussão de reformas e privatizações – o Senado aprovou na última quinta feira a MP da Privatização da Eletrobras. O ciclo das commodities também continuou a melhorar , trazendo bons ventos para a economia brasileira, além de ajudar a trazer o câmbio de volta ao patamar de R$ 5 e a impulsionar os 36% da Bolsa brasileira representada pelas empresas ligadas às commodities”, avalia.
Por outro lado, as principais dúvidas que a XP ouviu dos investidores foram, na ordem: 1) as eleições de 2022, 2) o cenário fiscal de curto e longo prazo (há melhoras hoje, mas qual a chance de se deteriorar novamente), 3) a trajetória esperada para a taxa de câmbio e 4) quais setores para se investir no momento – commodities, doméstico, ações de valor ou de crescimento?
“As dúvidas mostram que o investidor estrangeiro ainda não está indo ‘all-in’ no Brasil, e vários receios ainda persistem em relação ao futuro. Isso nos indica que o fluxo forte que tivemos até agora na Bolsa pelos estrangeiros foi uma redução da posição underweight em Brasil, dado que os estrangeiros estavam fora do país de forma relevante já há alguns anos”, aponta Ferreira.
O estrategista-chefe da XP lembra que, em 2007, o Brasil chegou a ter quase 20% de peso no índice de Mercados Emergentes (MSCI). Esse peso hoje se encontra em 4,6%, sendo o 6º país mais relevante do índice, atrás de Hong Kong, Taiwan, Coreia do Sul, Índia e China. O índice de mercados emergentes se tornou primordialmente um índice focado na Ásia nos últimos anos, enquanto a América Latina vêm perdendo espaço consistentemente no índice – e nas carteiras de investidores globais, como consequência.
A percepção dos investidores é que a maioria deles ainda segue com uma carteira mais defensiva, e expostos a empresas de alta qualidade e de crescimento, e com uma baixa exposição aos grandes setores da Bolsa, como os setores de bancos e commodities. Assim sendo, caso essas “large caps” continuem subindo, a impressão é de que haveria mais fluxo para esses setores, pelo baixo posicionamento dos investidores neles.
A XP segue construtiva em relação ao Brasil e aos ativos brasileiros. “Acreditamos que a aceleração da vacinação e da economia deve seguir impulsionando as empresas ligadas ao setor doméstico, e levando à revisões positivas de lucros pelo mercado. O ciclo de commodities – caso continue – também deve seguir impulsionando tanto esses setores, quanto a economia como um todo, pelo seu grande efeito indireto. Além disso, os ativos brasileiros ainda seguem baratos, tanto em relação ao seu histórico, quanto em relação a outros países (principalmente Bolsa e câmbio)”, aponta Ferreira.
Para o estrategista-chefe da XP, o sentimento – e o posicionamento – dos investidores ainda está longe de um sentimento de euforia e grande otimismo em relação ao Brasil. Isso indica que há mais fluxo potencial para vir ao Brasil, caso o cenário macro e micro siga melhorando.
O JPMorgan, reforçando maior otimismo, elevou na sequência do aumento de exposição ao Brasil a sua projeção para o Ibovespa de 134 mil para 140 mil pontos ao final de 2021 – ou uma alta de 9% em relação ao fechamento da véspera. Entre os riscos no radar, os estrategistas destacaram a normalização da política monetária no mundo – incluindo o próprio Brasil -, além do cenário político, com destaque para as eleições.