O Projeto de Lei (PL) 2630/2020, que trata das fake news (notícias falsas), já aprovado no Senado, institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet e cria medidas de combate à disseminação de conteúdo falso em redes sociais, como Facebook e Twitter, e em serviços de mensagens privadas, como WhatsApp e Telegram. Atualmente, é a pauta que mais movimenta partidos de oposição na Câmara dos Deputados, onde aguarda para ser apreciado em plenário.
No começo de março, as big techs iniciaram uma campanha publicitária no Brasil alertando sobre os riscos do projeto para os pequenos negócios que usam a publicidade on-line. Google, Meta, Twitter e Mercado Livre divulgaram um comunicado afirmando que o PL representa uma “ameaça à publicidade digital”. As empresas de tecnologia alegam que milhões de pequenos e médios negócios não poderão mais anunciar seus produtos com eficiência e a custo baixo na internet. “Um dos artigos do texto impede o uso de dados pessoais — em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados — para a entrega eficiente de anúncios e serviços que são cruciais para pequenas e microempresas e para toda a economia brasileira”, informou comunicado das big techs.
Para o diretor da Associação Brasileira de Internet (Abranet), Eduardo Neger, o país já conta uma legislação principiológica — o Marco Civil da Internet —, e uma regulação excessiva do setor poderia afastar novas empresas e criar dificuldades de inovação. Confira a entrevista abaixo.
1 — Qual a posição da Abranet sobre a aprovação do PL das fake news?
A Abranet ressalta, por princípio, que o Marco Civil da Internet, que está em vigor há alguns anos, é suficiente para disciplinar boa parte dos conflitos que aparecem na internet. A posição da associação vai no sentido de apoiar a legislação principiológica, ou seja, apoiar o Marco Civil da Internet, que é uma legislação moderna. Estamos alinhados com as boas práticas mundiais.
2 — Qual a preocupação com o projeto ?
A velocidade da tecnologia é muito maior que a velocidade do legislador para criar leis. Então, a preocupação que nós temos, que o setor coloca, é sempre em relação à velocidade dessa regulamentação no setor de tecnologia, ou seja, a lei pode virar letra morta rapidamente. E, também, em relação à regulação. Como é que vai ser regulamentada? Isso pode gerar problemas para os empreendedores, para quem for desenvolver novas aplicações, pode afetar o setor de inovação na internet. Pode atrapalhar a dinâmica da área, especialmente para as empresas nascentes, para as startups. É importante lembrar que as empresas precisam ter competitividade mundial, pois são companhias que desenvolvem sistemas que podem ser usados no Brasil e fora do país também. Se a gente começar a amarrar muito isso dentro do Brasil, poderemos inibir uma área que deveríamos incentivar: o desenvolvimento de novas tecnologias.
3 — De que forma isso ocorreria?
A lei coloca de maneira geral algumas ações que devem ser tomadas, mas muitas vezes a especificação não é apresentada. São vários pontos que, se não forem bem definidos na regulação da lei, podem gerar burocracia, uma quebra da dinâmica natural das redes. Temos que lembrar que os processos nas redes, nas trocas de mensagens envolvem milhões de operações, e certamente essas operações são automatizadas, você tem que ter algoritmo, um sistema automático para processar essa quantidade de informações. A partir do momento que você coloca muitas restrições com as quais não consegue lidar de maneira automática, acaba prejudicando o desenvolvimento desse sistema. O Marco Civil da Internet estabelece que, em situações em que são identificadas irregularidades, a remoção de conteúdo ou qualquer tipo de modificação das aplicações sempre vai se dar através de ordem judicial. O Poder Judiciário tem seu mecanismo de avaliação, de atribuição de uma ação específica em caso de algum tipo de violação. Quando se começa a criar um regulamento que gera algum tipo de complexidade, no dia a dia dessas operações, isso pode inibir empresas entrantes, empresas que atuam dentro desse ecossistema.
4 — As pequenas empresas seriam mais afetadas — do ponto de vista econômico — com a regulação da publicidade e da coleta de dados?
As pequenas empresas acabam utilizando os elementos que essas redes sociais conseguem obter através do próprio funcionamento, como geolocalização, hábitos dos usuários, para definir seu perfil de divulgação. Um comerciante local, por exemplo, não vai fazer investimento para que sua publicidade apareça no Brasil. Atualmente, ele pode limitar sua publicidade para determinados moradores do bairro, para pessoas que têm hábitos que estão alinhados com o produto que ele quer oferecer. Então, para isso ele precisa desse tipo de informação e trabalhar com as ferramentas tecnológicas para lidar com essa publicidade direcionada. Esse tipo de informação, desde que autorizada pelo usuário, permite que os pequenos estabelecimentos, com um investimento bem menor do que ele teria com uma publicidade nacional ou regional, consigam atingir seu público-alvo. É lógico que a legislação tenta evitar que as informações pessoais sejam utilizadas de maneira incorreta, especialmente para disseminação de informações falsas. A preocupação é grande, para não inviabilizar esse tipo de negócio.
5 — E em relação às informações falsas?
O que vai auxiliar ou amadurecer o entendimento do público em relação a isso não vai ser uma legislação mágica para tentar acompanhar o desenvolvimento da tecnologia. O ponto principal que defendemos tem a ver com educação. Não adianta ter uma legislação, uma série de restrições às plataformas, se quem está usando as redes sociais não tem determinado nível de educação e discernimento.
Fonte: Revista Oeste