No último dia 9, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que modifica a legislação sobre defensivos agrícolas. A proposta tem três objetivos principais: acelerar os processos de registro dos produtos, que levam em média oito anos para ser concluídos; reduzir os custos envolvidos na pesquisa e no desenvolvimento dos insumos agrícolas; e alterar o termo agrotóxicos, estabelecido na Constituição Federal, para pesticidas. Quem leu a notícia na imprensa tradicional teve a certeza de que, a partir de agora, quem comesse uma melancia, por exemplo, morreria envenenado — nem se fale em morangos ou tomates. Mas na verdade o que vai acontecer é o oposto. Com a aprovação do PL 6.299/2002, as carnes, as verduras e os legumes produzidos no Brasil ficarão ainda mais saudáveis.
As modificações deixarão as regras brasileiras mais modernas e mais próximas das que estão em vigor nas potências estrangeiras. Apesar disso, a iniciativa foi bastante criticada por políticos e ambientalistas. A ex-ministra Marina Silva (Rede), por exemplo, classificou o projeto como “um ataque à saúde pública, ao meio ambiente e ao funcionamento das instituições”. “Ainda que promovam um discurso sobre modernização, o que estão fazendo é tirar a Agência Nacional de Vigilância Sanitária [Anvisa] e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais [Ibama] do processo de avaliação dos agrotóxicos”, afirmou, em entrevista ao portal UOL.
É por causa de discursos semelhantes ao de Marina que o uso de defensivos agrícolas é acompanhado de uma série de teorias conspiratórias. A grande maioria não passa de mito.
Maior consumidor mundial de pesticidas
Embora seja apontado como um dos maiores utilizadores de pesticidas do mundo, proporcionalmente o Brasil não encabeça o ranking de países que mais gastam com defensivos agrícolas por quantidade de alimentos produzidos. O Japão lidera a lista, com apenas 8 quilos colhidos por cada dólar investido. Na Europa, a média é de 58 quilos (na França, por exemplo, são 50 quilos) e, nos Estados Unidos, de 94 quilos/dólar. O Brasil produz mais de 140 quilos de alimentos para cada dólar investido em pesticidas, graças à eficiência tecnológica de sua produção.
No ranking de países que mais usam defensivos por hectare, o Brasil está em sexto lugar (menos de 5 quilos por hectare/ano). A Holanda ganha a medalha de ouro, com cerca de 20 quilos por hectare/ano. Seguem-se Japão (17,5), Bélgica (12), França (6) e Inglaterra (5,5).
A presença do Brasil entre os países que mais usam pesticidas em volume total é explicada pela grande dimensão territorial de sua agricultura e pelo clima tropical, onde a incidência de fungos, insetos e ervas daninhas é elevada. Por outro lado, as características ambientais do país permitem o plantio praticamente nas quatro estações e a colheita de até três safras anuais. Em virtude dessas condições, o país precisa investir em defensivos nos 12 meses do ano, enquanto países como Rússia, Estados Unidos, Canadá e Noruega utilizam esses produtos apenas nos períodos mais quentes. Isso acontece porque, no Hemisfério Norte, a neve cobre o solo durante o inverno, o que por si só contribui para o controle de pragas.
1,5 mil novos pesticidas em três anos
Depois da aprovação do Projeto de Lei (PL) 6.299/2002, um punhado de parlamentares de esquerda usou as redes sociais para inflamar a militância. “Não dá para pôr na mesa dos brasileiros mais veneno”, disse o líder da bancada ambientalista, Rodrigo Agostinho (PSB-SP). “O atual governo registrou 1,5 mil agrotóxicos nos últimos três anos, muitos deles banidos em diversos países.” Os deputados Valmir Assunção (PT-BA), Tabata Amaral (PSB-SP) e David Miranda (Psol-RJ) subscreveram a afirmação.
O uso de pesticidas obsoletos no país ocorre em virtude da burocracia que envolve a aprovação de defensivos mais modernos
Aos fatos: do total de defensivos registrados durante o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), aproximadamente 60 são inéditos — menos de 5%. Ou seja, cerca de 95% dos pesticidas aprovados no período são genéricos. Na prática, isso significa que os produtos possuem uma composição similar às substâncias anteriormente aprovadas pelo Ministério da Agricultura, pela Anvisa e pelo Ibama. Quando um genérico é lançado no mercado, mais empresas são autorizadas a fabricar produtos semelhantes. Esse movimento tem como efeito principal a diminuição no preço dos defensivos, visto que há aumento na oferta.
O uso de pesticidas obsoletos no país ocorre em virtude da burocracia que envolve a aprovação de defensivos mais modernos — e, consequentemente, menos nocivos ao homem. Diferentemente da Europa, que dispõe de pesticidas de última geração, o Brasil segue usando os de primeira e segunda gerações. Os países do Velho Continente demoram entre dois e quatro anos para validar um defensivo, o que permite o registro contínuo de novas moléculas — mais eficientes e menos tóxicas. Na contramão, o Brasil submete os produtores a oito anos de espera.
Sem espaço para amadorismo
Para ser aprovado no Brasil, um defensivo agrícola passa por estudos minuciosos. “Antes de chegar ao mercado, são avaliados pela Anvisa, pelo Ibama e pelo Ministério da Agricultura, que analisam os riscos potenciais para o homem, o meio ambiente e sua eficiência agronômica”, explica o jornalista Nicholas Vital, autor do livro Agradeça aos Agrotóxicos por Estar Vivo. A Anvisa é responsável pela classificação toxicológica dos produtos, que tem o objetivo de verificar o nível de perigo oferecido pelo pesticida durante o processo de manuseio e aplicação. Já o Ibama faz o parecer do ponto de vista ambiental. Depois da conclusão desses processos, entra em cena o Ministério da Agricultura, que decide se o produto é adequado para obter o registro.
A fim de agilizar os processos de análise, o PL 6.299/2002 estabelece que, se os defensivos não forem aprovados em dois anos, a empresa dona de uma molécula nova poderá solicitar a autorização temporária de registro. “Isso será permitido se o produto tiver sido aprovado em pelo menos três países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico [OCDE]”, explicou Christian Lohbauer, presidente da Croplife Brasil, associação de empresas de defensivos agrícolas. Depois da concessão, os agricultores poderão utilizar o novo pesticida. Durante esse período, os órgãos federais continuarão a analisar o defensivo. Se indeferirem o pedido ao fim do processo de avaliação, o produto será terminantemente proibido.
Os alimentos que chegam à mesa dos brasileiros são analisados segundo critérios rígidos, estabelecidos por entidades internacionais, como a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e a Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos (Para), uma iniciativa da Anvisa que tem o objetivo de avaliar a qualidade dos alimentos vendidos em relação ao uso de defensivos, 99% das frutas, verduras e legumes comercializados no varejo em todo o território nacional não representam risco à saúde da população. Isso não significa, contudo, que os brasileiros morrerão de intoxicação se consumirem aquele 1% dos alimentos com resíduos acima do limite. “Um cidadão com 85 quilos, por exemplo, precisaria consumir 20 quilos de pimentões contaminados, em apenas 24 horas, para sofrer algum tipo de intoxicação crônica”, diz Lohbauer. O fato é que não se tem nenhum registro no mundo de morte causada por uma fruta tratada com pesticidas.
A obsessão histérica pelos orgânicos
Apesar de 99% das frutas, verduras e legumes vendidos no país serem saudáveis, os ambientalistas sugerem que a melhor opção seria alterar o modelo agrícola nacional. Assim, os alimentos convencionais, produzidos com a ajuda de defensivos, dariam lugar aos orgânicos, em que o cultivo é realizado sem o uso de pesticidas. O resultado dessa mudança seria a produção de alimentos mais saborosos, livres de resíduos tóxicos e com maior valor nutricional. Não há, contudo, comprovação científica de que os orgânicos sejam mais benéficos à saúde que os alimentos convencionais. Pelo contrário.
Depois de analisarem 237 estudos comparativos entre alimentos orgânicos e convencionais, pesquisadores da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, chegaram à conclusão de que, apesar de mais caros, os orgânicos não são mais nutritivos nem mais seguros que seus similares produzidos na agricultura convencional. A única vantagem aferida pelos cientistas é que os alimentos orgânicos são menos expostos a defensivos agrícolas e a bactérias resistentes a antibióticos. “Alguns acreditam que o alimento orgânico é sempre mais saudável e mais nutritivo”, diz Crystal Smith-Spangler, professora da Faculdade de Medicina de Stanford e coautora da pesquisa. “Ficamos um pouco surpresos por não encontrar esses resultados.”
Além disso, os alimentos orgânicos não são necessariamente 100% livres de produtos químicos; no cultivo da uva, por exemplo, é autorizado o uso de sulfato de cobre (calda bordalesa). Isso depende do critério de classificação de cada país. Com base nos resultados observados nos estudos, os autores argumentam que existem provas limitadas da superioridade dos alimentos orgânicos. “As evidências não sugerem benefícios à saúde pelo consumo de alimentos orgânicos versus convencionais”, diz o relatório. “Nossa investigação mostra que os consumidores orgânicos estão mais interessados no que não está nos alimentos [pesticidas] do que no que está”, salientou a pesquisadora Liza Oates.
Na Dinamarca, a autodenominada nação mais orgânica do mundo, a participação desses produtos no mercado é de apenas 12%. Portanto, quase 90% dos legumes, grãos, frutas e vegetais consumidos no país são produzidos por meio da agricultura convencional. Suíça (10%), Áustria (9,5%), Suécia (9%), Luxemburgo (8,5%), França (6%), Alemanha (5,5%), Holanda (5%), Itália (4%) e Estônia (4%) completam o ranking dos maiores consumidores de alimentos orgânicos. As informações estão disponíveis em The World of Organic Agriculture — Statistics & Emerging Trends, levantamento global realizado pelo Research Institute of Organic Agriculture (FiBL) e pela International Federation of Organic Agriculture Movements (IFOAM), duas das mais importantes entidades representativas do setor no mundo.
A necessidade da agricultura convencional
Mas a questão vai além do valor nutritivo dos alimentos orgânicos, argumenta o engenheiro agrônomo Marco Antonio Oltra, professor de Fisiologia Vegetal na Universidade de Alicante, na Espanha. “Somos 7 bilhões de pessoas diante de 1% de produção orgânica”, observou, em entrevista concedida ao jornal El País. “Mudar para uma agricultura orgânica faria com que metade da população mundial deixasse de comer.” O professor explica ainda que a agricultura orgânica existe apenas em países com poucos recursos, o que impede o desenvolvimento de métodos mais sofisticados. “Em algumas nações africanas, acontece exatamente dessa maneira”, ressaltou. “Mas isso não ocorre por respeito ao meio ambiente.”
Há ainda outra questão relevante: a agricultura orgânica demanda a utilização de mais terras, em virtude de seu baixo rendimento em relação à convencional. De acordo com os pesquisadores Verena Seufert, Navin Ramankutty e Jonathan A. Foley, em artigo publicado na revista científica Nature, a agricultura orgânica produz entre 5% e 35% menos que os modelos de agricultura tecnológicos. Na prática, isso significa que a agricultura orgânica não faz uso eficiente da terra nem preserva a natureza. É uma relação perde-perde: não há aumento na produção de alimentos nem preservação dos ecossistemas naturais.
Plantando o futuro
Ao contrário do que dizem os ambientalistas radicais, a aprovação do PL 6.299/2002 é fundamental para que o país caminhe na direção das potências globais. A flexibilização das leis relacionadas aos pesticidas, aliada ao contínuo desenvolvimento do setor agrícola, será fundamental para a modernização da economia brasileira, que ainda não desabrochou em virtude das pragas da burocracia e da radiação ideológica emitida por redações jornalísticas, por agências de publicidade e por organizações não governamentais.
Reportagem publicada na Edição 99 da Revista Oeste mostra como funciona o mecanismo de desinformação que visa a sabotar o agronegócio brasileiro. A despeito disso, os produtores agrícolas levam à mesa de milhões de trabalhadores comida barata e de boa qualidade.
Fonte: Revista Oeste