A ANM (Agência Nacional de Mineração) concedeu a um único empresário o direito de prospectar nióbio em áreas na Amazônia cujos tamanhos somados equivalem a quase 1,5 cidade de São Paulo. O empreendedor é sócio de uma microempresa e aparece como ex-beneficiário do auxílio emergencial.
As autorizações de pesquisa concedidas a João Carlos da Silva Martins e à sua empresa, a Ourocan Serviços de Apoio e Logística para Mineração, passam por um assentamento de reforma agrária, pelas franjas de uma terra indígena e de uma unidade de conservação e por uma região próxima a uma usina hidrelétrica.
Ao todo, a ANM concedeu 26 autorizações para Martins e a Ourocan prospectarem nióbio e minérios como estanho, tântalo, zinco, bauxita, ouro e diamante. Todos os atos foram assinados em 2021 e se referem a exploração na Amazônia, mais especificamente nos estados do Amazonas e do Pará. As áreas somam 215,6 mil hectares.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, o empresário confirmou que obteve autorizações para exploração de nióbio em assentamento rural -foram pelo menos cinco autorizações- sem ter havido diálogo, consenso ou aprovação prévia por parte de assentados. Segundo Martins, não há aval para pesquisa do metal dentro de terra indígena ou de unidade de conservação, mas nas imediações.
“Não tenho nada a ver com o governo. Sou minerador e acompanho o mercado. O presidente [Jair Bolsonaro] só fala em nióbio. Já viu ele falar em bauxita? A bauxita é o próximo minério que vai estar no topo”, afirmou o empresário. Em nota, a ANM disse que não há um limite para emissão de autorizações de pesquisa, “desde que a área a ser pesquisada esteja livre e o autorizado arque com o pagamento das taxas nos prazos determinados”. “A autorização de pesquisa não significa exploração, não significa lavra.”
Sobre a permissão de prospecção em assentamento rural e nas franjas de terra indígena e de unidade de conservação, a ANM disse que obedece à legislação e ao ordenamento jurídico brasileiro. A Folha de S.Paulo mostrou em reportagem publicada no dia 6 que as autorizações para exploração de nióbio na Amazônia mais do que dobraram no governo de Jair Bolsonaro (PL), um entusiasta e divulgador do metal antes e depois da chegada à Presidência.
Nos três primeiros anos de seu mandato, 295 requerimentos de exploração do metal foram protocolados na ANM, que concedeu 171 autorizações de pesquisa, das quais 64 foram para a região da Amazônia Legal. No triênio anterior, foram 120 requerimentos e 74 autorizações de pesquisa, das quais 25 para a Amazônia. O aumento do aval para exploração de nióbio na região foi de 156% no governo Bolsonaro.
Esse aumento é ainda mais expressivo quando levado em conta o triênio de 2013 a 2015, quando houve apenas nove autorizações na Amazônia. O aumento, assim, equivaleria a 611%. O levantamento foi feito pela Folha de S.Paulo no sistema público de processos da ANM, uma autarquia vinculada ao Ministério de Minas e Energia, com atuação colegiada e independente.
Após a publicação da reportagem, a bancada do PSOL na Câmara protocolou um requerimento de convocação do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, para que explique a explosão de autorizações de pesquisa de nióbio durante o governo Bolsonaro. Bolsonaro usa o nióbio como argumento para a defesa de mineração em áreas conservadas na Amazônia, em especial em terras indígenas, o que é vedado pela Constituição Federal.
O presidente repete o discurso sobre o nióbio frequentemente -já o levou até mesmo à Assembleia-Geral da ONU, no tradicional discurso de abertura da conferência anual feito pelo líder do Brasil. O chefe do Executivo ignora nas falas que o país já é o principal produtor do metal, com 88% do total mundial, e que jazidas exploradas -principalmente em Minas Gerais- têm material suficiente para abastecer o mercado nas próximas décadas. Falta demanda para o nióbio, usado para tornar ligas metálicas mais leves e resistentes.
O recordista em autorizações na Amazônia, João Carlos Martins, teve aval da ANM para avançar a busca por nióbio no assentamento rural Aripuanã-Guariba, em Apuí (AM), e em áreas vizinhas à terra indígena Waimiri Atroari, em Urucará (AM). As autorizações foram dadas tanto a Martins quanto à empresa da qual é sócio. A Ourocan fica em Pontes e Lacerda (MT), onde vive o empresário. É um empreendimento com capital social de R$ 300 mil, enquadrado como microempresa, conforme os registros públicos da Receita Federal.
“Por questões burocráticas, é quase impossível minerar hoje no Amazonas. Minha empresa é de pequeno porte. A maioria das áreas foi requerida no ano passado. A gente vê uma oportunidade no mercado”, disse Martins. Segundo o empresário, há, sim, aceitação do nióbio. “É mais caro para fazer a produção dele, mas o mercado sempre está em alta.”
Martins disse que ter as autorizações para explorar uma área de 215,6 mil hectares não significa uma prospecção na extensão de todas essas áreas. “Não estou em nenhum assentamento ainda, devo começar a fazer algum estudo em algumas áreas neste ano. É uma prerrogativa constitucional, como cidadão posso requerer [pesquisa de minério em assentamento]. Há um prazo de três anos para as pesquisas. Se tiver o minério, vou conversar com os assentados, comunidades e associações e levar uma proposta”, afirmou.
O empresário disse ter se baseado em mapa geológico do Serviço Geológico do Brasil para fazer os requerimentos de pesquisa. “Você não sabe se é área de assentamento, de fazenda, se é área de governo. Tem áreas que registrei que são de governo, não têm documento. Em alguns estados, a ANM já comunica as comarcas, para ver se há acordo com o proprietário da terra.”
Sobre os pagamentos do auxílio emergencial, voltado para famílias de baixa renda na pandemia, o empresário afirmou que não recebeu o benefício. “Não recebi nada, não fui eu que recebi. Estou com um monte de problemas com situações do meu CPF”, disse Martins. Os registros dos pagamentos são públicos e estão disponíveis no Portal da Transparência do governo federal. Conforme os registros, houve cinco pagamentos mensais de R$ 600 cada, totalizando R$ 3.000, em 2020. Os dois últimos foram “devolvidos à União”.
Por:Vinicius Sassine para a Folhapress