Bispo Edir Macedo recebe o presidente Jair Bolsonaro na sede da Igreja Universal, em 2019| Foto: Alan Santos/PR
Se na eleição de 2018, o eleitorado evangélico fez diferença para eleger o presidente Jair Bolsonaro (PL) – 7 em cada 10 votaram nele, segundo o Datafolha –, neste ano seus rivais na disputa pelo Palácio do Planalto têm se mobilizado para atrair ao menos parte do segmento.
O PT, por exemplo, decidiu lançar em fevereiro um programa de entrevistas no YouTube voltado para evangélicos, com discussões sobre religião, costumes e economia. A ideia é chamar pastores, políticos e acadêmicos de esquerda para falar com esse público, na tentativa de reaproximá-lo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pré-candidato do partido.
O Podemos, por sua vez, escalou o advogado Uziel Santana, ex-presidente e fundador da Associação Nacional de Juristas Evangélicos, para organizar encontros de Sergio Moro, pré-candidato da legenda, com lideranças evangélicas – o foco inicial são conversas com pastores menos conhecidos e de igrejas tradicionais, como a presbiteriana, batista e adventista, para conhecer melhor projetos sociais que elas desenvolvem.
A maioria dos líderes mais famosos e influentes, porém, têm declarado, nos últimos meses, a manutenção do apoio a Bolsonaro, por uma série de fatores: de compromissos públicos com a proteção da família tradicional à defesa da imunidade tributária para as igrejas, passando por críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF), visto como potencial ameaça à liberdade de expressão e religiosa dos cristãos e como um poder que interfere no Legislativo.
A Gazeta do Povo elencou alguns desses pastores e bispos mais conhecidos e que têm se posicionado e falado abertamente sobre suas escolhas políticas e eleitorais. Até que ponto eles de fato poderão influenciar o voto de seus rebanhos não é algo exato.
Alguns estudiosos do assunto apostam que, neste ano, o peso da pauta moral poderá ser menor na escolha do candidato à Presidência e o fator econômico pode ganhar força, sobretudo em camadas mais populares que sentem mais a inflação e o desemprego.
É o que prevê o professor e cientista político Vinicius do Valle, que, entre 2011 e 2017, estudou a fundo o voto de evangélicos da Assembleia de Deus. Para ele, neste ano, os pastores que estão na ponta, nas pequenas igrejas de bairro, tendem a se envolver menos na discussão eleitoral.
Aponta duas razões para isso. A primeira é que eles já percebem uma polarização interna, em que uma parte dos membros já abandonou o voto em Bolsonaro e outra parte permanece apoiando o presidente. “E como ele tenta lidar com esses conflitos dentro da comunidade? Tentando tirar a política do jogo, tentando tirar essa discussão e botar panos quentes”, diz.
Para ele, as grandes lideranças não convivem de perto com as pequenas comunidades nem precisam lidar com essas divisões no rebanho.
O segundo motivo, relacionado ao primeiro, é que, em geral, pastores de pequenas igrejas se envolvem diretamente na ajuda aos membros, para resolução de problemas imediatos, ligados à vida familiar ou à busca por trabalho, moradia e vagas em hospitais, por exemplo.
“E aí ele diz algo como: ‘vamos parar de discutir política, porque quem vai dar o que sua alma está precisando é Jesus Cristo e o Espírito Santo, e Deus não quer ver seu rebanho brigando entre si. Já tomamos muita bola nas costas de políticos, vamos olhar mais para a gente’”.
Vinicius Valle projeta que, na disputa deste ano, o voto evangélico terá mais peso na votação para cargos no Legislativo que no Executivo. “Para o Legislativo é muito mais fácil e cômodo fazer essa transmissão eleitoral. Porque geralmente os candidatos são evangélicos, são membros e têm cargos na igreja, circulam nas igrejas o ano inteiro. Estão no ministério das crianças ou das mulheres, organizam eventos das igrejas. E para o pastor é fácil dizer que é uma pessoa que o membro conhece e tem a confiança da liderança, é alguém de nós.”
Por outro lado, ele acha que, se a disputa se acirrar e Bolsonaro correr risco de perder por pouco, as grandes lideranças tendem a “dar um gás” na campanha para não perderem a ligação e acesso que hoje têm ao presidente. “Hoje eles têm contato imediato. E se verem que dá para manter isso fica melhor”, diz.
Veja abaixo, um breve perfil de cada um desses líderes e como têm se posicionado:
Silas Malafaia
Amigo pessoal de Bolsonaro e presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, é o maior defensor do governo entre os grandes líderes evangélicos. Em live recente com ex-ministros do governo, no programa ConservaTalk, defendeu a aliança do presidente com o Centrão e criticou o ex-juiz Sergio Moro por não se posicionar, enquanto ministro da Justiça, contra prisões de pequenos comerciantes durante a pandemia. “Além de Judas, [Moro] é um covarde, porque esperou um momento difícil de [Jair] Bolsonaro para tentar sair em glória e se ferrou.”
Edir Macedo
Assim como Malafaia, o líder da Igreja Universal do Reino de Deus já apoiou Lula no passado, mas hoje é aliado de Bolsonaro. A ligação também decorre do fato de ser proprietário da TV Record, que é pró-governo e vende novelas cristãs para a TV Brasil. A cúpula da igreja está ciente da perda de aprovação popular do presidente, mas muitos pastores mantêm o apoio a ele porque são políticos eleitos pelo Republicanos e, por serem da base de apoio no Congresso, são agraciados com verbas de emendas parlamentares.
R.R. Soares
Televangelista, é fundador e líder da igreja Internacional da Graça de Deus, dono da emissora de TV RIT, que transmite o Show da Fé. Seu filho, o deputado Davi Soares (DEM-SP) tem trânsito no Palácio do Planalto. Em 2020, RR Soares foi procurado pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, para ajudar a encontrar uma rádio em São Paulo que pudesse ser alugada para transmitir programas conservadores. Devido ao alto custo, o negócio não foi para frente, conforme depôs à Polícia Federal.
Estevam Hernandes
Fundador da Renascer em Cristo, é organizador da Marcha para Jesus, que todos os anos reúne milhares de fiéis nas ruas de São Paulo para evangelizar. Rebateu duramente os ataques a Bolsonaro durante a pandemia, sobretudo a pecha de genocida, e criticou governadores e prefeitos que mandavam fechar os templos, pauta comum ao presidente. Tem canal com Bolsonaro através da advogada do presidente, Karina Kufa, amiga de sua mulher, bispa Sônia.
Manoel Ferreira
Bispo primaz das Assembleias de Deus Ministério de Madureira, é pai de Samuel e Abner, que hoje também comandam a igreja. Já foi deputado e é próximo do ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ). Recentemente, se reuniu com Lula no sítio do deputado estadual petista André Ceciliano, no Rio de Janeiro. Depois, recebeu num culto o deputado federal Marcelo Freixo, do PSB, que deve se candidatar a governador do estado neste ano. Apesar disso, porta-vozes dizem que foram apenas atos de cortesia e que Manoel manterá o apoio dado a Bolsonaro em 2018. Pertence à igreja o atual líder da bancada evangélica na Câmara, Cezinha de Madureira (PSD-SP), aliado de Bolsonaro e que batalhou pela aprovação de André Mendonça para o STF.
José Wellington Bezerra da Costa
O pastor é o líder do Ministério Belém, o maior e mais tradicional da Assembleia de Deus no país, e é fiel apoiador de Bolsonaro. Trata-se da igreja de origem do deputado e pastor Marco Feliciano (PL-SP), um dos mais antigos aliados de Bolsonaro na Câmara. Também é a igreja de parlamentares fiéis ao presidente, como o deputado federal Paulo Freire da Costa (PL-SP), filho de José Wellington, e o deputado federal Pastor Eurico (Patriota-PE). Hoje, o comando efetivo da igreja é de José Wellington Jr., outro filho do pastor.
Samuel Câmara
Dissidente do Ministério Belém, fundou um novo ramo da Assembleia de Deus, chamada de Igreja-Mãe, em 2017, levando boa parte das congregações. Também comanda uma TV e uma faculdade, ambas chamadas Boas Novas. É irmão do deputado federal Silas Câmara (Republicanos-AM), ex-presidente da Frente Parlamentar Evangélica.
Renê Terra Nova
Fundador e presidente do Ministério Internacional Restauração, de Manaus, tem forte presença no Norte do país e passou a integrar o círculo mais próximo de pastores de Bolsonaro nos últimos anos. Foi um dos incentivadores das manifestações a favor do governo nas celebrações do 7 de Setembro do ano passado.
Henrique Vieira
De influência muito mais restrita, tornou-se referência para políticos de esquerda por seu viés progressista. É ex-vereador pelo Psol no Rio de Janeiro e tenta fazer uma aproximação entre a fé cristã e pautas identitárias. Pastor da Igreja Batista do Caminho, é também ator, poeta, professor.
Ariovaldo Ramos
Apoiador antigo de Lula, ficou a seu lado durante todo o calvário que passou na Operação Lava Jato e é uma das principais pontes do PT com evangélicos progressistas. É coordenador da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito.
Fonte: Gazeta do Povo/Por Renan Ramalho – Brasília