Enquanto a vacinação contra a Covid-19 avança em ritmo satisfatório pelo país, com a população atenta ao calendário de aplicação dos imunizantes, um ‘velho conhecido’ dos brasileiros volta a dar as caras neste final de primavera e às vésperas do início da temporada de verão, fazendo acender o sinal de alerta sanitário. É o Influenza, também conhecido como o vírus da gripe, que assim como o coronavírus se propaga facilmente e é responsável por elevadas taxas de hospitalização.
Recentemente o Rio de Janeiro começou a ter de lidar com uma epidemia de síndrome gripal, registrando aumento superior a 429% na procura por atendimento nas UPAs da capital fluminense. Mesmo num período mais quente do ano, próximo do verão, a cidade acabou vítima do Influenza e já registra mais de 20 mil casos, segundo a Secretaria Municipal de Saúde.
De acordo com o médico infectologista Jaime Rocha, diretor de Prevenção e Promoção à Saúde da Unimed Curitiba e responsável pela Unimed Laboratório, é possível que essa epidemia venha a afetar o Paraná e a capital paranaense em breve. E para compreender como isso poderia ocorrer, é importante também entender os fatores envolvidos na epidemia carioca.
“Existem vários fatores importantes que tem de ser levados em consideração. Primeiro, o deslocamento de pessoas, que vão do hemisfério norte ao sul de maneira muito rápida e um desses viajantes pode ter introduzido algum vírus. Outra questão são as aglomerações, que voltaram a acontecer, e o terceiro ponto é a menor cobertura vacinal [contra o Influenza]”, explica o médico, apontando os principais fatores que podem explicar uma epidemia de gripe ‘fora de época’, já que a doença costuma registrar o momento de pico nos períodos mais frios do ano, durante o inverno.
Com relação especificamente ao caso paranaense, a possibilidade de também haver uma epidemia de gripe por aqui se explica pelo fato de, assim como acontece com o Rio de Janeiro, a cobertura vacinal contra o Influenza estar longe do ideal no Paraná.
Segundo informações do Ministério da Saúde, a expectativa da campanha de vacinação era atingir pelo menos 90% do público-alvo, assim como já havia acontecido em 2019 e 2020. No Paraná, porém, essa taxa ficou em 67,4%, valor superior ao registrado pelo Rio de Janeiro (57,1%), o que é um fator importante a ser levado em consideração. Mesmo com a liberação para aplicação da vacina em toda a população, os estoques não acabaram. Curitiba, por exemplo, tinha até o final do último mês um saldo remanescente de 167 mil doses de vacina contra a gripe disponíveis nas unidades de saúde.
“É possível, sim [que a epidemia atinja o Paraná e Curitiba], porque nossa cobertura vacinal ficou longe do ideal no que diz respeito à Influenza. Existe a questão da proteção, uso de máscara, higiene das mãos. Vai depender muito do comportamento da população. A cobertura vacinal aqui é um pouco melhor do que a do Rio, mas não temos a tipagem do vírus circulante para saber se está contido na vacina. Mas Influenza tem tratamento precoce. Se alguém apresenta quadro gripal, febre, tosse aguda, deve ser considerada a hipótese de contaminação pelo influenza”, afirma ainda o infectologista Jaime Rocha.
Paraná tem a oitava menor cobertura vacinal contra o Influenza
Segundo dados do Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SIPNI), o Paraná é o oitavo estado brasileiro com a menor cobertura vacinal contra o Influenza, com 67,4%, considerando-se o público-alvo (que soma 4,48 milhões de pessoas e é formado por crianças, trabalhadores de Saúde, gestantes, puérperas, indígenas e idosos). Das 5.165.200 doses de vacina contra a gripe distribuídas ao estado, 3.959.452 foram aplicadas (76,7% do total).
Além disso, entre todas as unidades da federação apenas o Amapá, com 93%, conseguiu superar a meta estabelecida pelo Ministério da Saúde (de vacinar ao menos 90% do público-alvo).
Um dos fatores que explica essa situação é que, ao longo da campanha de vacinação, não foi possível aplicar as duas vacinas (contra o Influenza e o SARS-CoV-2) juntas, sendo necessário esperar um intervalo de 14 dias. Apenas no fim de setembro uma nota técnica do Ministério da Saúde autorizou que aplicação das duas vacinas no mesmo dia.
Crianças estão mais expostas às síndromes respiratórias
O mais recente Boletim InfoGripe da Fiocruz, divulgado no final de novembro, indica um cenário de atividade alta das Síndromes Respiratórias Aguda Grave (SRAGs) em Curitiba, com tendência de crescimento no número de casos para as próximas semanas. Dentro desse contexto, uma situação, em especial, tem chamado a atenção, que são as infecções entre crianças de 0 a 9 anos, que já registram cerca de 1.500 casos semanais de SRAG, com predominância do vírus sincicial respiratório.
Segundo o doutor Jaime Rocha, a população mais jovem sempre teve um comportamento de vários vírus respiratório ao longo do ano, como o vírus sincicial, outros tipos de coronavírus (que não o pandêmico) e adenovírus. “É um grupo que sempre aglomera em escolas, que não está vacinado contra a Covid. Então sabemos que estariam mais em risco, não só de Covid, mas de todos os vírus que sempre circulam. De novo, estamos fora da época, que é geralmente no inverno, mas vem viajantes [de outros países], também tem a questão da exposição adiada…”, aponta o médico.
Segundo o bioquímico Marcos Kozlowski, especialista em bacteriologia do Laboratório de Análises Clínicas (Lanac), o isolamento social imposto pela Covid-19 fez com que as pessoas não criassem anticorpos para alguns vírus e bactérias, uma situação que pode impactar mais sensivelmente os jovens. “O baixo contato com vírus e bactérias, especialmente nos primeiros anos de vida, pode levar a menos proteção contra doenças infecciosas e alérgicas, mesmo na fase adulta. Temos percebido o agravamento de algumas infecções por vírus que antes eram vistos, na maioria das vezes, de forma mais leve ”, diz Kozlowski.
Por Rodolfo Luis Kowalski