Com a variante ômicron e a chegada das festas de fim de ano, São Paulo decidiu nesta quinta-feira (2) reduzir de 5 para 4 meses o intervalo da dose de reforço da vacina contra a Covid-19. No restante do país, mantém-se, por enquanto, o período de cinco meses, anunciado pelo Ministério da Saúde no mês passado.
As vacinas contra Covid foram aprovadas e são utilizadas em todo o mundo há praticamente um ano e, além dos estudos de fase três, quando o perfil de segurança dos imunizantes foi testado, a observação do uso em mais de 3 bilhões de pessoas comprova essa segurança.
Apesar disso, a maioria delas foi avaliada com um esquema de vacinação primário em duas doses ou dose única de um mesmo fabricante. Agora, cresce em todo o mundo a aplicação de uma dose de reforço, que pode ser com a utilização de um imunizante diferente do aplicado inicialmente.
É possível que surjam dúvidas, então, quanto aos tipos de sintomas que podem aparecer com a aplicação da terceira dose, ainda mais se for de uma vacina distinta da primeira, no chamado esquema heterólogo.
Estudos de mistura vacinal comprovam a eficácia e segurança da combinação de imunizantes, mas algumas misturas de vacinas ainda não foram testadas ou, se foram, não há ainda dados suficientes para indicar os possíveis efeitos colaterais que podem surgir. É o caso de uma aplicação de dose de reforço de Pfizer aos indivíduos que tomaram vacina da Janssen, por exemplo.
Os especialistas em vacinas e imunologia reforçam, porém, que não há nenhuma evidência de maior incidência de eventos adversos ao misturar os imunizantes na dose de reforço. Pelo contrário, a ocorrência de efeitos colaterais pode ser ainda menor.
“Não há nenhuma expectativa que a aplicação de uma dose de reforço com a intercambialidade das plataformas aumente a incidência de eventos adversos”, afirma o infectologista Jamal Suleiman, do Instituto Emílio Ribas .
É possível, porém, que os brasileiros vivenciem agora um efeito com a terceira dose, relacionado ao tipo de imunizante, que não foi sentido no início. Os efeitos colaterais, reforçam os especialistas, são geralmente muito leves e não representam perigo.
“O risco de surgir um evento adverso totalmente inesperado na dose de reforço é menor, mas temos que lembrar que são ofertadas vacinas de outra plataforma que no esquema primário, então a gente espera que ocorram efeitos colaterais já esperados para esses imunobiológicos”, diz o infectologista Eder Gatti, do Centro de Vigilância Epidemiológica do estado de São Paulo.
Ainda segundo Gatti, o risco é reduzido porque o sistema imunológico já foi apresentado ao antígeno, isto é, ao vírus ou parte dele, e a dose adicional tem a função de “refrescar a memória” do organismo para criar a defesa contra o patógeno. “Apesar disso, a da Pfizer, por usar o RNA mensageiro que codifica a proteína S do vírus, pode dar uma reação um pouco mais forte na dose de reforço do que nas primeiras doses”, afirma.
Alguns relatos ouvidos pela reportagem indicaram a ocorrência de inchaço nos linfonodos, principalmente aqueles localizados na região da axila no braço em que foi aplicada a terceira dose da Pfizer, as chamadas ínguas, no primeiro até o quarto dia após a injeção.
Segundo a bula da vacina da Pfizer na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o aumento dos gânglios linfáticos (ou ínguas) é uma reação adversa incomum, com incidência de 0,1% a 1%.
Um estudo publicado em junho na revista científica Jama Network encontrou a ocorrência de inchaço no linfonodo axilar em 13% dos participantes avaliados após a injeção com duas doses da vacina de mRNA 12% para vacinados com a Pfizer e 17% para Moderna.
A incidência de ínguas é mais frequente após a segunda dose (26%) em comparação à primeira (5%). Em geral, o inchaço nos lifonodos é notado a partir do segundo dia e desaparece até quatro dias depois da injeção.
Continuam sendo os sintomas mais comuns após a terceira dose aqueles conhecidos para as doses iniciais: dor no local da injeção, mialgia (dor no corpo), cansaço, dor de cabeça, febre, calafrios e inchaço no local da injeção.
Outras reações comuns, mas não tão frequentes, são náuseas, vômitos, diarreia, hematomas e vermelhidão no braço, febre alta, sudorese excessiva e coceira na pele.
“Até o momento, não tivemos relatos de surgimento de ínguas com os pacientes aqui da unidade, mas é muito comum eu diria que 9 em cada 10 pacientes sentirem dor no braço após a terceira dose”, diz Carla Dias, enfermeira e supervisora da vacinação contra Covid na UBS Milton Santos, na zona sul da capital paulista.
Na mesma unidade de saúde, um profissional da área de saúde de 56 anos, que não quis se identificar, recebeu a dose adicional da Pfizer. A auxiliar de enfermagem do posto diz que pode acontecer de ter um “inchaço ou ficar roxo” no local de injeção. “A gente já deixa o alerta para caso aparecer fazer a compressa de gelo na região onde foi aplicada a vacina e o uso de analgésico comum”, afirma Dias.
Outros relatos de hematomas, dores no corpo e cansaço também foram compartilhados com a reportagem. Apesar de serem reações locais ou sistêmicas que podem ser bem intensas, como uma dor forte no braço e impossibilidade de movê-lo, em geral desaparecem em 24 a 48 horas, afirma Suleiman.
“Não é um evento adverso que impossibilite de trabalhar, que limite a rotina, então, não é necessário comunicar ao sistema de saúde”, diz o médico, que recebeu a dose de reforço também da Pfizer. Casos mais graves, diz, são de notificação compulsória. Nesse caso, os pacientes em SP podem procurar o ambulatório do Emilio Ribas através do email
A fonoaudióloga Claudia Lima, 50, relata que teve reação adversa após a dose de reforço da Pfizer. Ela tomou as duas doses da AstraZeneca e não teve reação, mas com a dose adicional de RNA mensageiro teve sintomas que perduraram por dez dias: febre, vômito, diarreia, dor no corpo todo e reação no local da vacina. “Apesar disso, por mais desagradáveis que possam ser no momento, os efeitos da vacinação não chegam nem perto do sofrimento causado pela doença”, diz.
Por Folhapress