Dorgival Junior foi inocentado depois que perícia particular provou que o bebê morreu após se asfixiar no próprio vômito
O ajudante de obras Dorgival José da Silva Junior, 24, ficou preso durante dois anos acusado de matar o filho, de apenas oito meses. O bebê morreu em outubro de 2019, na casa onde morava com os pais e o irmão gêmeo, em Petrolina, Sertão de Pernambuco.
Na última quinta-feira, 25, depois de 12 horas de julgamento no fórum da cidade, a defesa de Dorgival conseguiu provar a inocência dele. De acordo com a perícia particular, solicitada pela família, morreu asfixiado pelo prórpio vômito. A decisão trouxe alívio para o coração da professora Maria Luzinete Gomes.
No dia seguinte ao veredito, a mãe, que sempre acreditou na inocência do filho, estava na porta do presídio Doutor Edvaldo Gomes. Depois de 744 dias, Dona Luzinete e Dorgival se abraçaram, sem grades ao redor e o sentimento de que a justiça tinha sido feita.
A retomada da liberdade começou com o pagamento de uma promessa feita por eles. Mãe e filho caminharam por 25 km, durante quase 7 horas, do presídio até a casa de Dona Luzinete, que fica no N1, zona rural de Petrolina.
“As pessoas diziam: ‘você com essa idade, vai a pé, 25 km?’. Eu dizia que isso era pouco. Ruim foi dois anos de espera. Seis horas, sete horas a pé, 25 km, não é nada”, diz Maria Luzinete.
Para chegar até o final dos 25 km de caminhada, é preciso voltar até a madrugada do dia 20 de outubro de 2019, quando a história da família mudou. “Quando a gente acordou e fomos fazer o leite dos meninos, percebemos que um dos nossos filhos não estava respirando. Ligamos para o Samu, para saber o que tinha acontecido. O Samu chegou, viu a criança e, infelizmente, não tinha mais o que ser feito”, recorda Dorgival.
Na noite da morte do pequeno Douglas Ravi, na casa da família estavam Dorgival, a mãe da criança, o irmão gêmeo de Douglas e a babá. Todos dormindo, após retornar de uma festa de aniversário. Depois que o Samu constatou a morte do bebê, a polícia foi chamada. “Foi feita a perícia e depois fomos encaminhados para a delegacia para prestar depoimento”, diz o pai.
Não demorou para que Dorgival fosse considerado suspeito do crime. De acordo com o advogado de defesa, Marcílio Rubens, a perícia técnica, que esteve na casa da família, detectou que Douglas sofreu uma asfixia direta — provocada pela obstrução das vias respiratórias —, o que causou a morte.
“Os indícios iniciais traziam a presença de sangue humano em uma camisa utilizada por Dorgival, no dia anterior à morte do bebê. Essa camisa foi localizada pela perícia e, constatado que o sangue seria do bebê, houve a suposição de que o pai teria praticado o crime. Em razão disso, foi determinada a prisão dele”, explica o advogado.
Dorgival foi preso no dia 4 de novembro, 14 dias a pós a morte do filho. Uma situação pela qual ele nunca imaginou passar. “Nunca pensei que além da dor de perder meu filho, ia ser preso por conta disso. Fiquei realmente surpreso”.
Enquanto ele passava os dias presos, a família lutava para provar a sua inocência. Para o advogado, a ação dos familiares foi crucial para o desfecho do caso.
“O que contribuiu sobremaneira, decorrente do próprio esforço, sacrifício financeiro feito pela família, que é uma família simples, mas que se desincumbiu de custear uma perícia particular, de ir em busca de outras provas, sob pena de um sacrifício feito por eles, mas que possibilitou uma contraprova em relação às provas inicialmente produzidas e o questionamento acerca dessas provas, demonstrando que havia falhas investigativas”.
Durante o julgamento, o Ministério Público também pediu a absolvição de Dorgival, por entender que as provas seriam insuficientes para sustentar o pedido de condenação. A defesa alegou que a causa da morte não foi uma esganadura, assim como, que o pai não poderia ser o autor de qualquer violência contra a criança. Por meio de perícia particular paga pela família de Dorgival, ficou provado que Douglas Ravi morreu após se asfixiar no próprio vômito.
Do sonho de ser pai ao pesadelo na prisão
Quando Dorgival descobriu que a esposa estava grávida de gêmeos, ele conta que “foi a maior alegria do mundo”, ser pai sempre fez parte dos seus planos.
“Eu tinha o sonho de ser pai, e descobrir que era gêmeos, foi uma bênção na vida da gente. Eu era muito feliz, muito abençoado por Deus, por ter os meus filhos”.
A morte de Ravi e a prisão mudaram a vida da família de ponta a cabeça. Além da liberdade e do filho morto, Dorgival perdeu os primeiros anos do filho que está vivo, o casamento e o emprego.
“Não conseguia dormir. Além de ter perdido meu filho, fui encaminhado para aquele lugar. Não desejo a ninguém. Perdi o emprego, esse tempo todo que passei lá, longe do meu outro filho. Não tive a oportunidade de acompanhar o crescimento de meu outro filho. O sonho de ser pai. Fui impedido de acompanhar o crescimento do meu filho”, lamenta Dorgival.
Enquanto lutava para comprovar a inocência de Dorgival, a família teve que conviver com notícias falsas sobre a morte da criança. Para Emerson Gomes, mesmo preso, o irmão sempre quis descobrir a verdade sobre a morte da criança.
“Eu queria saber o que aconteceu e era o que ele mais queria também. Por isso, ele não se incomodou tanto em estar preso. Apesar de toda dificuldade, de todo esse processo, ele queria descobrir o que aconteceu com o filho dele. Devido [a] tantas mentiras e histórias mal contadas, eu sei que muita gente ao nosso redor acreditava que tinha acontecido isso daí”.
Recomeço
De acordo com o advogado Marcílio Rubens, por a absolvição de Dorgival também ter sido solicitada pelo Ministério Público, a tendência é que não haja recurso. Livre das acusações, o pai só pensa em recomeçar a vida. Dorgival disse que, quando soube que seria libertado, só teve um pensamento.
“Ver meu outro filho. Deus fez tudo para que eu possa cuidar dele, recuperar o tempo perdido”.
Religiosa, Maria Luzinete fez do terço seu companheiro fiel durante os dias de prisão do filho. As idas ao presídio eram constantes, mesmo durante a pandemia, quando a entrada de visitantes foi proibida. Foi guiada pelo amor aos filhos, que ela nunca desistiu de lutar por justiça. Agora, a mãe espera que Dorgival consiga recomeçar.
“Espero que alguém possa dar oportunidade ao meu filho e veja ele como cidadão de bem, que ajude ele a arranjar um emprego. Ele tem uma criança para criar”, afirma.
Para provar a inocência de Dorgival, segundo o advogado, a família gastou R$ 50 mil. O dinheiro foi investido na elaboração da perícia complementar e na busca por outras provas. Apesar das dívidas, a mãe não se arrepende. “O mais difícil de tudo foi a ausência dele”.
Ainda de acordo com Marcílio Rubens, com a inocência de Dorgival confirmada, a família pode entrar com ações indenizatórias contra o Estado e os meios de comunicação que publicaram notícias falsas sobre o caso.
“A retratação social, ainda que ela se dê em parte, dificilmente se dará no todo, pela dificuldade de você atingir as mesmas pessoas que tiveram a notícia [de que Dorgival cometeu crime] inicialmente. O que se busca é reconstituir, minimamente, a dignidade dessa família, trazer de volta aquilo que foi perdido, em parte, porque nada devolverá a Dorgival a perda do convívio com filho sobrevivente durante esses dois anos e 14 dias, a vida que ele perdeu de construir”, diz o advogado, completando:
“O que a gente espera é uma reparação mínima. Erros dessa natureza devem servir como exemplo para que não se cometa novos erros, para que não se precipite o julgamento em relação às pessoas antes da maturação efetiva dos fatos”.
Por Redação Jornal de Brasília