Um dos anexos da delação de Bender, Joel Malucelli, e seu sobrinho e diretor da J. Malucelli Equipamentos, Rafael Malucelli, foi apensado pelo Ministério Público do Paraná ao processo criminal que trata da Operação Rádio Patrulha, e que tem como réus Beto Richa; seu irmão e ex-secretário de infraestrutura, José Richa Filho; o ex-secretário de Assuntos Estratégicos, Edson Casagrande; e o ex-chefe de gabinete do governador Deonilson Roldo, além do próprio Joel Malucelli e outros oito acusados. É o primeiro anexo da delação utilizado como prova em um processo criminal, desde que a J. Malucelli firmou acordo de leniência com o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Paraná, em agosto do ano passado.
“Em maio de 2014, fui informada por Rafael Malucelli sobre a necessidade de operacionalizar o pagamento de alta quantia referente à renovação de um contrato do DER-PR com a Ouro Verde. Coletei o valor de aproximadamente R$ 315 mil, em parte objeto de saques em espécie e noutra parte obtido por meio de vendas de equipamentos pagas em espécie, e entreguei o montante diretamente ao Jorge Atherino na sede da J. Malucelli, fato também presenciado por Juarez Malucelli [diretor da J. Malucelli e pai de Rafael]. A quantia foi entregue a Jorge Atherino na sala de Juarez Malucelli e estava dentro de uma mochila”, revelou Bender, em depoimento colhido em janeiro de 2020.
A Ouro Verde foi a empresa vencedora da licitação das Patrulhas do Campo que subcontratou a J. Malucelli alugando seus equipamentos para prestar o serviço, num acordo fechado depois que a J. Malucelli perdeu a concorrência dos lotes de patrulha. Joel Malucelli conta, em seu depoimento, que depois de os lotes serem divididos pelas empresas interessadas, com a definição da propina a ser paga ao governo estadual – “4% do faturamento mensal e 4% do valor total do contrato no ato de sua renovação”, segundo o delator -, uma nova empresa, Terra Brasil, surgiu na disputa e arrematou um dos lotes. Após a J. Malucelli preparar recurso para desqualificar a concorrente, no entanto, houve um acordo entre todas as empresas para que não se impugnasse nenhuma participante da licitação e a J. Malucelli alugasse seus equipamentos para as empresas formalmente contratadas.
“Em agosto de 2012, a J. Malucelli Equipamentos apresentou proposta de venda de equipamentos à Ouro Verde. No entanto, antes de realizada a venda dos equipamentos, foi efetivada a locação, via J. Malucelli Rental, de quatro patrulhas à empresa Ouro Verde, observando-se os valores propostos pela empresa, que compreenderiam ao valor apresentado pela Ouro Verde na licitação, deduzidos impostos e os 4% referentes ao acordo ilícito de repasse de verbas firmado com os representantes do governo paranaense. Ademais, em caso de renovação do contrato entre DER-PR e Ouro Verde, seria descontado pela J. Malucelli o saldo de 4% sobre o valor faturado”, contou Joel Malucelli ao MP.
Em seu depoimento, Rafael Malucelli confirmou a versão de Georgete Bender e contou, ainda, que desde o começo do contrato com a Ouro Verde a J. Malucelli teve problemas de recebimento dos valores de locação e o caso foi levado ao então secretário José Richa Filho [Pepe Richa]. “Fui duas vezes ao DER encontrar Pepe Richa, juntamente com meu pai. Pepe me direcionou ao chefe de gabinete de Beto Richa, Luiz Claudio da Luz, que nos mostrou planilha indicando que os pagamentos pelo Estado à Ouro Verde estavam em dia. Já no final de 2013, Atherino foi à sede da J. Malucelli e solicitou que o acompanhássemos a uma reunião na sede da Ouro Verde, onde ele cobrou pessoalmente o diretor da empresa Celso Frare, que se irritou, o expulsou da empresa e disse que ‘se o secretário quisesse dinheiro, que fosse pessoalmente pedir’”, contou Rafael Malucelli. “Em maio de 2014, o contrato do DER com a Ouro Verde foi renovado, e desencadeou nova obrigação de pagamento dos 4% acordados. O valor de aproximadamente R$ 315 mil foi operacionalizado por Georgete e entregue a Jorge Atherino na sede da J. Malucelli”, reforçou.
Jorge Atherino é citado como operador financeiro de Beto Richa na Operação Quadro Negro, que investiga o desvio de recursos de obras de escolas estaduais; nas operações Integração e Piloto, desdobramentos da Lava Jato; e na Operação Superagui, que investiga a concessão suspeita de licenças ambientais para construções em Paranaguá. Já chegou a ser preso na Quadro Negro e na Piloto. No entanto, seu nome não havia sido relacionado, até então, à Operação Radio Patrulha. Tanto que ele sequer consta como um dos acusados no processo que tramita na 13ª Vara Criminal de Curitiba. O coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) de Curitiba, Denilson Soares de Almeida, afirmou à coluna que o Ministério Público estuda a apresentação de nova denúncia.
Procurado pela coluna, o advogado de Jorge Atherino, Luiz Carlos Soares da Silva Jr, não retornou o contato. O advogado de Beto Richa, Walter Bittar, disse não ter o que comentar em relação a essas delações. A defesa de José Richa Filho informou que só se manifesta nos autos do processo. A empresa Ouro Verde fechou acordo de leniência em 2019 com o Ministério Público, admitindo os crimes, assim como seu presidente, Celso Frare, que firmou acordo de delação premiada. O teor dos acordos segue sob sigilo. A coluna não localizou os responsáveis pela empresa Terra Brasil. Seguimos abertos a manifestações dos citados. Na defesa apresentada quando surgiu a denúncia do MP-PR, ainda em 2018, os advogados da empresa afirmam que “[A Terra Brasil] não participou do acordo com as outras empresas, ofereceu o menor preço, e como não poderia ser diferente, sagrou-se vencedora da licitação. Repita-se: apenas venceu a licitação porque não estava conluiada com as outras empresas”.