Após a saída de tropas do país, milhares de afegãs vêm sentindo na pele a retomada da dominação masculina dos jihadistas sob leis retrógradas
A retirada das tropas dos EUA e da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) permitiu ao Taleban ganhar território no Afeganistão. Essa nova realidade tem sido particularmente devastadora para as mulheres, que voltaram a viver sob um regime repressivo baseado numa interpretação radical do Islã, informa a Radio Free Europe (RFE).
Entre as imposições dos talibãs às mulheres que voltaram a viger no Afeganistão estão a proibição de saírem de casa desacompanhadas, o veto à educação em escolas e ao trabalho e inúmeros casos de mulheres solteiras ou viúvas forçadas a se casar com combatentes.
As mais afetadas são as mulheres que vivem em áreas recentemente dominadas pelos jihadistas em distritos rurais.
“Antes, eu podia ir ao mercado sozinha para comprar mantimentos”, diz Monira, uma mulher de 26 anos moradora do distrito de Shirin Tagab, na província de Faryab, no noroeste do país. “Eu podia ir ao cabeleireiro. Eu podia usar meu cabelo para cima”, diz.
A rotina mudou desde que o Taleban invadiu seu distrito de origem e reimpôs velhos métodos, há duas semanas. “Agora, as mulheres estão oprimidas. O Taleban diz que devemos ter um acompanhante masculino se sairmos de casa. Temos que nos cobrir”, detalha.
Quem não cumpre as regras sofre com as consequências. As punições incluem espancamentos públicos, outro antigo meio de repressão dos fundamentalistas. Para lembrar as afegãs de suas obrigações, os militantes ergueram cartazes em algumas áreas para informar os moradores sobre as novas (velhas) regras. Em partes de Faryab, as lojas estão proibidas de vender mercadorias a mulheres desacompanhadas.
Futuro esmagado
A repressão se estende à educação. Sara, uma estudante de 17 anos, diz que o Taleban fechou a escola onde estudava no distrito de Aqcha, na província de Jawzjan, norte do país, depois que os militantes a invadiram há 15 dias.
“Não sabemos o que vai acontecer conosco ou com nossa educação”, conta a jovem, cuja família fugiu para a capital da província, Sheberghan, que está sob controle do governo.
“Todos esses anos que estudamos e todos os nossos esforços foram esmagados. Não podemos mais ir para Aqcha por medo do Taleban. Eles dizem que as meninas não devem mais ir à escola”.
Em outras áreas dominadas pelos extremistas, a educação foi permitida para meninas somente até a quarta série.
A perseguição também ocorre com homens, que são proibidos de aparar as barbas e têm a obrigação de orar cinco vezes por dia. Ouvir música e assistir à televisão também são atividades expressamente proibidas.
“Tudo permanecerá”
A Human Rights Watch, organização de direitos humanos, acusa os jihadistas de queimar e retirar à força afegãos de suas casas, em atos que serviriam como represália por cooperarem com o governo do país.
“Os ataques de retaliação do Taleban contra civis considerados apoiadores do governo são um aviso sinistro sobre o risco de atrocidades futuras”, disse Patricia Gossman, diretora associada da organização na Ásia.
O Taleban refuta as acusações e diz que nada mudou no Afeganistão pós-ocupação. “Atualmente existe um estado de guerra e tudo permanecerá igual [como estava sob controle do governo afegão]”, disse o porta-voz do Taleban Zabihullah Mujahid.